quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

"Ainda Não Te Disse Nada" (Mauricio Gomyde)



Posto aqui o livro do Maurício justamente quando ele conquistou um super feito: a obra será publicada nos países de língua inglesa. Não é demais?! O autor merece, pois nenhum outro homem conseguiu traduzir tão bem a alma feminina. Com leveza e delicadeza ele desnuda este universo e conquista o coração de suas leitoras (e dos leitores também, estou certa disso).


Quem não desejaria protagonizar uma história como esta? Apaixonar-se pela intensidade das palavras de um homem misterioso, desconhecido, atemporal? Um elo gerado pela escolha de um momento, guiada por uma força gravitacional que impele dois seres de terras distantes a um destino aparentemente impossível, porém ao mesmo tempo inevitável.

Marina Albertini é uma garota do século XXI, moderna, não consegue imaginar como é possível, nos dias atuais, se corresponder com alguém por meio de cartas; afinal, um e-mail é mais veloz e prático, e o retorno é quase imediato. Por que perder tempo com tantas palavras se basta uma mensagem quase cifrada, bem ao estilo dos torpedos virtuais?

Mas a protagonista não é como as jovens de seu tempo. Embora suas melhores amigas, Thaís, escritora à procura de si mesma, e Francesca, mãe da garotinha Ciça, sejam sonhadoras e no fundo anseiem também por uma realização afetiva, a romântica Marina destoa do mundo em que vive. Ela mais parece uma personagem do século XIX à procura do homem ideal.

Marina é uma jovem linda, inteligente, decidida, talentosa. Filha de um padeiro de origem italiana, criada para seguir os passos do pai, ela deixa a cidadezinha de São Pedro da Serra e vai para São Paulo realizar um de seus maiores sonhos: ser estilista e se destacar no universo da moda.

Marina até poderia ter continuado na pequena São Pedro da Serra (...) Assumir a padaria, sustento dos pais, o caminho natural para a vida. (...) Mas tudo o que ela não queria era ter certeza das coisas. (...) O projeto era viver o mundo da moda, (...) O ofício aprendido desde pequena com a avó, quando sentava a seu lado e costurava as roupas das bonecas do jeito que a velha fazia nas roupas da família, ganhou lugar insubstituível na parte do destino que lhe cabia interferir.

Para financiar os estudos ela trabalha em período integral no Correio. Sua rotina se resume ao trabalho e à parada quase diária na livraria mais próxima, onde através das revistas de moda é transportada para outras dimensões, e nestas esferas mágicas exercita um estilo próprio ao copiar os modelos em voga. Sempre com a cumplicidade de Seu Patrício, o atendente do café.

O próximo desembarque de seu dia-a-dia é o Istituto Europeo di Design, Scuola di Moda a San Paolo; aí ela se diverte com Thaís e Francesca, e dribla as cantadas do professor de fotografia, o sedutor Luca, herdeiro de uma tradicional família italiana, proprietária de uma cantina em São Paulo, com quem manterá um breve e desastroso relacionamento.

No fim da noite a jovem retorna ao apartamento e reencontra Nina, seu peixe de estimação, com quem se identifica profundamente na solidão e na sensação de ser cativa de um tempo ao qual não pertence. Seus momentos de realização pessoal são aqueles em que se dedica ao mundo da moda, especialmente através do blog www.amodademarina.com.br.  Aí ela expõe seu trabalho e recebe um gratificante feedback de suas seguidoras.

Mas o futuro de Marina revela surpresas inesperadas, as quais colocam em cheque suas crenças e a levam até mesmo a questionar suas escolhas profissionais e existenciais. Tudo muda quando ela conhece Júlia, a misteriosa ruiva que uma vez por semana posta uma enigmática carta na mesma agência da protagonista.


Desde o início ela chama a atenção de Marina e de Dona Jane, sua melhor amiga no trabalho e fã incondicional das antigas cartas trocadas entre dois apaixonados. Um dia, no café, ela tem a oportunidade de conhecer melhor a cliente, que se identifica como O Anjo Carteiro.

- (...) Você escreve cartas pra uma pessoa que não conhece, como se fosse outra que também não conhece?
(...) – Mas quem contrata dita as cartas?
- Nada! Quem contrata dá as informações iniciais sobre as duas pessoas e depois vou sozinha, na criatividade.
- Nossa... E funciona?
- Funciona, porque as pessoas pra quem escrevo querem que tudo seja verdade ela parou, fechou os olhos por dois segundos e abriu devagar. – Não é questão de ser ou não verdade... A verdade mora em quem acredita, entende?

A partir deste momento ela se apaixona pela ideia de se passar por outra pessoa com a intenção de levar conforto e bem-estar a pessoas solitárias que nunca mais tiveram contato com entes queridos. Graças ao Anjo Carteiro elas podem ser novamente felizes, mesmo que tudo não passe de uma ilusão.

Pouco tempo depois uma carta de Portugal, destinada à Amada Eterna e enviada para a Caixa Postal 787, vai parar nas mãos de Marina. Tentando encontrar sua destinatária, mergulha em uma jornada sem volta. Ao saber que Julia de LaRocque está morta, não resiste à tentação e acaba lendo a carta.

É imediatamente fisgada pelo encantamento tecido por Heitor em cada linha, e logo descobre que Julia é o Anjo Carteiro que conheceu. Após um breve impasse, Marina assume a identidade da Amada Eterna, Milena Carvalho. A jovem nunca mais será a mesma, pois a cada carta ela se sente mais ligada ao seu autor; e até onde sabe ele é um homem de pelo menos 70 e poucos anos.

Entre pétalas de rosas, cavalos lusitanos, vinho e música portuguesa, Marina é pouco a pouco seduzida por uma história cada vez mais envolvente e pelo poder de palavras que aproximam dois mundos ao mesmo tempo tão próximos e tão distantes. Seria loucura se apaixonar pela alma de alguém?


Gostaria de terminar estas palavras com o trecho de uma das canções que mais gosto, do Pedro, cantor, nascido aqui no Porto. Peço que Lourenço cante para mim todas as vezes que vem cá: “Largo a espera e sigo o sul. Perco a quimera, meu anjo azul. Fica forte, sê amada. Quero que saibas que ainda não te disse nada. Pede-me a paz, dou-te o mundo"...

(...) Não queria admitir, mas estava apaixonada por um monte de palavras, por uma história que não lhe pertencia.

(...) - É muita loucura gostar da alma de alguém?    
  
Nem mesmo a possibilidade de finalmente realizar o sonho de trabalhar em Paris, através de um concurso da revista Elle em parceria com a grife francesa Gus & John, alivia seu coração. A inusitada troca de cartas só acentua sua sensação de não pertencer a este mundo, mas Marina não consegue refrear o estranho impulso de seguir adiante, como se o destino a impelisse rumo a um propósito maior.

Maurício tece esta narrativa romântica com delicadeza, maestria e poesia insuperáveis. Mestre na arte de contar histórias, ele transforma a leitura em uma experiência saborosa e inesquecível. Suas cartas intensas e apaixonadas despertam sonhos e desejos adormecidos e tocam a alma da mesma forma que os acordes mágicos da canção de Pedro Abrunhosa, da qual o autor colheu o título deste livro encantador, cativante, divertido e comovente. É genial o contraste entre dois estilos de vida, representados pelas correspondências apaixonantes e pelos e-mails objetivos e práticos, sem vida.  
      
Não é difícil acreditar que é realmente possível se apaixonar pela magia das palavras, bem como pelas notas de uma melodia. Em Ainda Não Te Disse Nada o autor alia duas de suas maiores paixões: a música e a literatura. Ele se projeta literariamente em Thaís e na sua incessante busca da inspiração. E na esfera musical Maurício se espelha no músico português Henrique Lourenço e também na trilha sonora de Marina para cada momento de sua vida, especialmente naqueles em que cria seus modelos.  


Maurício Gomyde é paulistano, porém atualmente reside em Brasília. É escritor, baterista e compositor. Ele publica suas obras de forma independente através do selo criado pelo próprio autor, o Porto 71. Seu livro de estréia é o Mundo de Vidro. Recentemente o escritor lançou O Rosto Que Precede o Sonho.