Uma boa história tende a se tornar imortal. Ela atravessa séculos, gerações, entrelaçando caminhos, determinando destinos. É o caso da narrativa que protagoniza o livro Cidade nas nuvens, Cuconuvolândia, inspirada no clássico As aves, de Aristófanes.
A
princípio, tive a sensação de que o autor tentou abraçar um processo ambicioso
demais; mas, aos poucos, captei uma de suas principais mensagens. Independente
do tempo no qual se vive, as pessoas nutrem anseios, desejos, sonhos,
esperanças, medos muito semelhantes.
Anthony
Doerr retrata três épocas diferentes. Nas páginas de sua obra é possível navegar
por Constantinopla, às vésperas de sua ocupação pelos otomanos; pelo estado de
Idaho, nos Estados Unidos, em pleno século 21, e por uma era futurista, no
interior da Argos, uma nave espacial que ruma na direção de um planeta
distante.
Como
em um triângulo, as histórias se desdobram e aparentemente convergem em um
único vértice: a paixão por um livro, protagonizado por Éton, um sonhador que
almeja atingir um pretenso paraíso, Cuconuvolândia, uma cidade construída nas
nuvens.
Ainda
não concluí a leitura do livro; afinal, é mesmo um épico, uma jornada por 746
páginas. Porém já me apaixonei pela trama e por seus protagonistas; nas três
eras nos deparamos com personagens que parecem nada ter em comum, todavia seus
caminhos se mesclam, revelando uma incrível semelhança em suas travessias. E a
cada avanço da história surpresas e reviravoltas nos extasiam.
Em
Constantinopla, as crianças Anna e Omeir pertencem a mundos distintos; ela vive
no interior das muralhas e ele, um otomano tão excluído quanto a garota, vê-se
compulsoriamente recrutado pelas forças do sultão para transpor a fortaleza até
então considerada inviolável. Em sua jornada, Anna leva consigo um exemplar de Cuconuvolândia,
já corrompido pelo tempo.
Cinco
séculos depois, as trajetórias de Zeno e Seymour também se cruzam; ambos
viveram uma infância conturbada, foram discriminados e viram seus sonhos se
despedaçarem. Em sua velhice, Zeno vê sua vida virar de cabeça para baixo ao
ter a oportunidade de decifrar a mesma narrativa, então quase indecifrável.
No
universo futurista, Konstance aparentemente é a única sobrevivente na Argos;
ali ela interage com Sybil, uma inteligência artificial, mergulha nas
lembranças de um tempo no qual a nave fervilhava de viajantes espaciais imersos
na esperança de alcançar um novo mundo, similar a Terra. E passa seu tempo
tentando montar os fragmentos das aventuras de Éton.
Proscritos
da sociedade ou da realidade, Anna, Omeir, Zeno, Seymour e Konstance se
refugiam em um universo alternativo, o mesmo que atraiu Éton, simplório pastor
que recorre à magia para se transformar num pássaro e, assim, poder voar rumo à
cidade nas nuvens.
A
história é mesmo arrebatadora. O mais incrível é que o tempo parece ser
circular; quando nos concentramos em uma das eras retratadas, temos a impressão
de viver o momento presente. Para reforçar essa ideia, a trama não se inicia no
século XV, e sim no interior da Argos. Além disso, o autor salta de um período
para o outro, sem seguir qualquer linearidade.
Ah
e não se preocupem com o número de páginas. Atravessamos o livro como uma nave no
espaço. Quando nos damos conta, já percorremos mais da metade do caminho.
Anthony
Doerr é vencedor do prêmio Pulitzer com Toda luz que não podemos ver,
adaptado para exibição no Netflix, com estreia prevista para 2 de novembro de
2023.
Cidade
nas nuvens
Anthony
Doerr
Editora
Intrínseca
752
páginas
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