quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Diálogos impossíveis

 



- Não sei se já nos encontramos antes, mas me aconchegar em seu ventre me despertou profunda conexão.

“Essa criança vai destruir minha vida. Agora que minha carreira está decolando... Se levar adiante a gestação, jamais terei uma oportunidade como essa.”

- Olha só, prometo te ajudar, te apoiar. Confia. Deus tem seu próprio tempo. Na hora certa Ele vai te recompensar.

“Já decidi. Estudei muito; amo demais minha profissão para abrir mão dessa chance de trabalhar no exterior. Vou procurar o médico que minha amiga me indicou.”

- Pelo menos me deixe viver. Quando eu nascer, se não mudar de ideia, você pode me doar para alguém.

“Eu até poderia aguardar o nascimento da criança. Mas se meu chefe souber da minha gravidez, vai dar a promoção para outra pessoa. Afinal, ele precisa de mim agora, não daqui a sete meses.”

- Por favor, eu me encolho aqui. Ninguém nem vai perceber que sua barriga cresceu. Faço qualquer coisa por uma oportunidade de viver.

“Afinal, é só um feto mesmo. É melhor eu me apressar. Ainda não há vida em meu útero.”

- (Profunda tristeza e angústia).

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- Ah, que delícia navegar nesse oceano quentinho. Já te amo, mãezinha.

“Ai, meu corpo está se deformando. Já engordei, os seios crescendo. Daqui a pouco meu namorado vai procurar outra mulher.”

- Olhe bem no espelho. Mais bela que nunca. Seus olhos brilham, a pele ganhou uma luz especial. Papai deve estar muito feliz.

“Não, não, não nasci para ser mãe. Quem vai cuidar do bebê enquanto vou dançar, me divertir? Meus pais foram bem claros. A responsabilidade é só minha e do pai da criança.”

- Pode continuar dançando enquanto estou por aqui. Gosto muito de música também. E depois do meu nascimento, é só uma questão de dias. Vou conquistar meus avós; eles vão cuidar de mim.

“Só de pensar no parto fico maluca. Duvido que ele vai segurar minhas mãos, como prometeu. Hoje nem me ligou. Depois, roupa de grávida não faz meu estilo. Quero continuar a curtir a vida.”

- E eu só quero viver. Olha, é por pouco tempo. Certeza que meus avós vão ficar comigo. Você não precisa me criar. Pode continuar se divertindo.

 “É isso. Meu amor acabou de me mandar uma mensagem. Por sorte, pensa como eu. Somos muito novos. Vou procurar a médica que ele encontrou. Logo estaremos livres.

Sem culpa. É só um feto. Nem tem alma ainda, então é um ser sem vida.”

- (Revolta e desespero).

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- Graças a Deus um ventre decidiu me abrigar. Obrigada, mãe.

“Como vou criar mais um filho? Já fiz e refiz todas as contas. Meu Deus, uma sexta criança? Vai passar fome, sede, nem terá o que vestir. Desse jeito vou morar na rua.”

- A gente dá um jeito, mãezinha. Pense bem, não serei só mais uma boca, mas também um braço para trabalhar. Só me deixe viver.

“Que desespero. Nem um aborto posso pagar. O que fazer? Minhas crianças estão desnutridas. Por que Deus me manda mais uma?”

- Porque Ele confia na sua força, na sua capacidade de superação. Estou disposto a qualquer coisa para ter o dom da vida. Aliás, fetos são seres vivos, viu? Por favor, tem que me ouvir.

“Talvez minha comadre possa me fazer umas ervas. E de agora em diante meu marido vai ter que usar a tal camisinha, ao invés de ficar no bar bebendo.”

- Mãezinha, ouça. Me deixe nascer. Aí pode me dar para alguém criar. Vou entender.

“Poderia deixar esse bebê nascer. Mas para isso vou ter que me alimentar melhor. Senão ele vai morrer dentro do meu ventre. E talvez me leve junto. Aí quem vai cuidar dos outros?”

- Acredite em Deus, mãe. Ele vai me deixar nascer, eu sei. E a senhora ainda vai viver muito tempo.

“Posso não. Me sinto sem forças. Se pelo menos meu homem me ajudasse... Pronto. Vou procurar a comadre.”

- (Desânimo. Raiva.)

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Tantos outros cenários. Mesmos impasses. Diálogos improváveis. Desconexão.

Pais que ignoram o essencial. Fetos têm vida. Fetos importam.

O que significa tirar uma vida? Quais as implicações físicas, psíquicas, espirituais?

Sem julgamentos, sem críticas, sem condenação. Afinal, não sou Deus. Apenas levanto questões. Deixo aqui fragmentos e reflexões.

 

 

 

 

 

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