sexta-feira, 11 de março de 2011

Indicação - Educação e Espiritualidade - Interfaces e Perspectivas (Dora Incontri, org.)


 

Nesta obra a principal preocupação é a reflexão sobre o diálogo interreligioso, praticado a partir das salas de aula, no interior de um planejamento interdisciplinar e pluralista. Várias linhas educacionais são apresentadas em suas páginas, e mesmo as propostas mais modernas estão fundamentadas nas sólidas bases implementadas por educadores como Comenius, Janusz Korczak, Pestalozzi e Allan Kardec, seu discípulo.

Os organizadores deste volume reservam um espaço para a manifestação de cada vertente religiosa significativa do mundo contemporâneo, permitindo que seus representantes esbocem sua visão de uma pedagogia multidisciplinar que propicie ao aluno a aquisição de valores morais imprescindíveis, sem que um corpo doutrinário lhe seja imposto. Este caminho conduz ao estabelecimento da tolerância e à aceitação das diferenças.

No texto Educação e Espiritualidade - quando, como e porquê -, da educadora e organizadora deste livro, Dora Incontri, em parceria com o pedagogo Alessandro César Bigheto, os autores fazem um levantamento histórico do ensino religioso nas escolas, da interação entre educação e religião, dos abusos das religiões institucionais, passando pela separação entre o laico e o sagrado, até atingir outra posição radical, a do extremismo materialista, nada isento de implicações ideológicas. No mesmo artigo eles propõem um olhar de síntese, que transcende o fanatismo religioso e também a postura cética e pessimista dos materialistas, a partir da análise das teorias de Pestalozzi, Kardec e Erich Fromm.

A tentativa democrática ocidental dos últimos séculos de separar o Estado da religião, e com isso fazer uma educação pública, laica, afastada do domínio religioso, justifica-se como reação histórica à repressão secular das igrejas, à imposição religiosa que povos inteiros sofreram.
Entretanto, como em todo processo dialético, em reação a determinado extremismo, surge outro extremismo, às vezes tão intolerante quanto aquele que se quis contestar.

Laura Lippman e Hugh McIntosh expõem em seu ensaio o índice de incidência da espiritualidade e da religiosidade entre os jovens nos Estados Unidos. A pesquisadora do tema Educação Religiosa, Marian de Souza, discorre sobre a carência de paixão e entusiasmo nas aulas de religião e apresenta um modelo curricular enraizado em um aprendizado holístico, veiculado a partir de um vínculo profundo entre percepção, pensamento, sentimento e intuição, por meio do qual o ser vivencia o mundo.

O filósofo e educador Regis de Morais é o responsável por um dos mais belos textos que compõem esta obra – Deus, a Ciência e a Educação -, no qual ele se baseia no pedagogo espírita José Herculano Pires. O autor aborda com leveza e delicada veia poética a controvertida relação entre Deus, a Ciência e a Educação. Entre as várias passagens profundas e inesquecíveis, ele defende a prática da coragem humilde para a reconstrução da realidade educacional.

Herculano Pires demontra-nos que mil manobras sombrias foram empregadas, pelos milênios, pelo fanatismo religioso e pelos interesses político-institucionais para "a salvação da Humanidade", e tudo isso trouxe a um tempo de hipocrisias religiosas e morais e de ressentido materialismo.

A professora Ana Szpiczkowski é a produtora de outro artigo contagiante, que discorre sobre a vida e a atuação do educador polonês Janusz Korczak, que legou à Humanidade seu trabalho educacional único junto aos pequenos órfãos, através do qual ele desenvolveu um sistema de autogestão social. Judeu em plena era de perseguição nazista, ele optou por morrer ao lado de suas crianças no campo de Treblinka.
Em Diálogos entre o Oriente e o Ocidente o Doutor em Ciências da Religião, André Andrade Pereira, ressalta a importância de uma interação entre as religiões orientais e as ocidentais nas escolas, especialmente através da prática da meditação. Alexandre Leone é o representante da vertente judaica, e seu discurso se baseia na mística de Abraham J. Heschel, a qual contribui para a constituição de uma filosofia da espiritualidade judaica contemporânea.

Os demais textos que compõem a segunda parte desta obra, Educação e Espiritualidade, apresentam a visão católica – Luiz Jean Lauand realiza um esboço filosófico da construção do Catolicismo, destacando a importância de Tomás de Aquino; o ponto de vista budista, defendido por Tiago Pires Tatton Ramos, que cria uma aproximação entre o budismo, algumas vertentes psicoterápicas e o pensamento de determinados educadores, como Rubem Alves.

As tradições africanas também ganham um espaço importante neste livro, graças ao ensaio esclarecedor e fascinante do doutor em Ciências da Comunicação Juarez Tadeu de Paula Xavier, que realiza um estudo da oralidade africana através da análise bem-estruturada da cultura iorubá. Alysson Leandro Mascaro conclui esta esfera principal da obra com sua investigação inusitada dos laços que conectam religião e política, a partir dos quais ele produz sua visão da filosofia espírita.

O legado sagrado da palavra confere à humanidade a capacidade de criação. As palavras arquitetam cenários. Elas guardam uma dimensão mágica que faz vibrar todas as partes do universo. (...) Com essa vibração como eco de fundo é que se deve pensar a importância dos tradicionalistas em manter a autenticidade da transmissão oral.

Platão
A terceira parte deste livro abriga os textos que discorrem sobre Reencarnação e Educação. Daniel Donnet é o autor de dois ensaios iluminadores sobre esta temática; no primeiro ele aborda as filosofias indianas para localizar, no âmago deste pensamento, o papel do ego; no segundo, o Doutor em Filosofia e Letras se preocupa mais com as teorias tecidas pelos gregos antigos, passando pelo Orfismo, por Pitágoras e Empédocles, chegando a Platão, aos primeiros momentos do Cristianismo e finalmente à era romana. Alessandro Bigheto também se atém aos ensinamentos de Platão, que remetem à reencarnação e aos processos educacionais.

Figuram nesta divisão, igualmente, textos mais específicos, como os que narram o mecanismo de renascimento entre os trobriandeses, sociedade de natureza matrilinear, e os budistas; e casos de crianças portadoras de memórias passadas, especialmente no Sul e Sudeste da Ásia, no oeste asiático e africano, no Brasil e no noroeste da América do Norte. Ian Stevenson, um dos principais estudiosos do tema, também realiza suas incursões nesta esfera das existências passadas. Dora Incontri finaliza esta obra com sua exposição pessoal de um projeto de Pedagogia Espírita para as escolas brasileiras.

No Ménon (81b-d), por outro lado, Platão postula a pré-existência da alma em vidas anteriores para explicar sua capacidade de conhecimento:

Como a alma é imortal e veio várias vezes ao nascimento, e viu todas as coisas tanto aqui neste mundo quanto no Hades, fica excluído que ela não tenha aprendido nada. Não é, portanto, surpreendente que a respeito da virtude e de outras realidades, ela possa se lembrar daquilo que ela sabia anteriormente.

Deixei para o final a primeira parte porque ela reserva um cantinho especial para o tema Saúde e Espiritualidade, composto por três artigos. O primeiro, assinado pelo doutor em Medicina e Psiquiatria C. Robert Cloninger, pela psicóloga Ada Zohar e pelo educador Kevin Cloninger, fala sobre os cuidados com a saúde mental e as deficiências no quesito de promoção do bem-estar. O segundo, elaborado pelos psiquiatras André Stroppa e Alexander Moreira-Almeida, expõe os resultados de pesquisas sobre como a espiritualidade do paciente influencia as condições de sua saúde e a própria cura. O terceiro é o relato do processo de gestação do ProSER - Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade – no interior do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, elaborado pelo médico psiquiatra Frederico Camelo Leão.

Dora Incontri, organizadora deste volume, é jornalista, mestre, doutora e pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP, diretora da Editora Comenius, coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e da pós-graduação de Pedagogia Espírita pela Universidade Santa Cecília e pelas Faculdades Integradas Espíritas.

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