sábado, 26 de março de 2011

Estátuas de Sal (André Cardinali)

Este é um dos livros mais marcantes, perturbadores e surpreendentes que já li. Quando iniciei sua leitura, que por si só já é uma jornada existencial de autoconhecimento, descobertas e transformações, não poderia jamais imaginar que cada página me levaria de um mergulho completo nas sombras até um novo despertar.
Assim, o leitor mais atento pode se tornar a companhia ideal de Alice, a protagonista, em sua viagem ao encontro de si mesma e das respostas que tanto busca; eles poderão seguir juntos e compartilhar cada questionamento, dúvida, reflexão, confusão e angústia.

Nos outros bancos, pessoas rezavam fervorosamente para agradecer, pedir auxílio, achar conforto... Deus atendia suas preces, disso eles tinham certeza, mas nem sempre era como eles queriam, porque Ele sabe o que é melhor para todo mundo e, às vezes - e a Aliança no altar lembrava isso -, era preciso agir duramente com os humanos para que eles entendessem. Bom, isso era o que ela costumava pensar.
O prólogo do livro indica uma trama eletrizante e nos leva a alimentar vastas expectativas relativas ao desdobramento da história. Mas quem espera por uma sequência ininterrupta de ação e suspense acaba se decepcionando no início da narrativa, que se passa mais no interior de Alice. Esta etapa, porém, é fundamental para o desenvolvimento do enredo, e exige uma boa dose de atenção e concentração.
É neste momento que o autor apresenta sua personagem, talvez uma espécie de alterego, por meio da qual ele mesmo revela sua visão sobre Deus, ou melhor, a evolução de seu ponto de vista. Á medida que os dilemas interiores de Alice se tornam familiares, nos convidando, muitas vezes, a partilhar de suas indagações e questões, a trama vai adquirindo outras tonalidades e conquistando outros rumos. Quando o leitor se dá conta, já está totalmente envolvido e não consegue mais se desligar da história.

Nascemos para nos encontrar com ele e viver em Sua Paz eternamente, após a morte. (...) Entretanto, a questão continua a se aplicar: por quê? Por que um ser Onipotente, Onisciente e Onipresente precisaria de seres inferiores como nós? Para fazer o quê? A pergunta ficava no ar, naquele ar pesado, preso no apartamento há dias e que zanzava pelos cômodos, sem se reciclar, já que nenhuma janela ou porta havia sido aberta.
Há dez anos a cidade de São Paulo, considerada o centro do pecado e da corrupção, das sombras e do desprezo aos ensinamentos do Criador, foi destruída, supostamente por um Deus colérico que se volta contra suas criaturas quando perde as esperanças com relação à Humanidade.
Alice perde a mãe nesta tragédia que se abateu sobre uma das maiores metrópoles do Planeta, e agora seu pai também está morto, e tudo indica que ele cometeu o suicídio. A jovem, porém, não consegue acreditar nesta versão. Após permanecer algum tempo isolada em seu apartamento, sem forças para continuar a viver, ela decide sair em busca de respostas. Não só em relação à morte de Alberto Villela, mas também e talvez principalmente no que diz respeito a Deus e ao que ela considera Sua máxima traição.

Estátuas de sal, lembrava-se da expressão. Ela designava um suicídio em massa. Desde o incidente em São Paulo, muitas pessoas se suicidaram nas cidades que faziam fronteira com a antiga capital. Em todos os casos, os suicidas deixaram cartas (...) Algumas cartas ainda chegavam a atacar Deus, discordando de sua atitude de destruir a cidade, afirmando que "não fazia sentido". (...) O nome era uma referência à mulher do profeta Ló da história de Sodoma. (...) A mulher, no entanto, no momento da destruição da cidade, virou-se e transformou-se em uma estátua de sal.
Para continuar viva, a protagonista precisa encontrar o sentido da existência, agora que o Criador decidiu aniquilar seus filhos; afinal, porque Ele os criaria para logo depois destruí-los? Ao receber uma enigmática correspondência, ela segue as pistas nela contidas e inicia uma jornada que a conduz até as ruínas de São Paulo, na qual a entrada de qualquer ser vivo foi proibida após o evento apocalíptico que a atingiu.

Da morte, da destruição, surgia a vida. Não era assim no mundo inteiro, desde o começo? O ciclo da vida e da morte. Os átomos que compunham o corpo de Alice já compuseram uma árvore, um animal, outra pessoa. A própria alimentação já representava esse ciclo. Matar para viver, mesmo que fosse tirar a vida de um vegetal. Morte e vida se completam, pensou. São lados da mesma moeda. Um não existe sem o outro.
Nestes dias sombrios em que estamos mergulhados, esta é com certeza uma leitura indispensável. Ao longo do caminho o autor transmite, por meio de enigmas e inusitadas profecias, profundas reflexões sobre a Divindade, tolerância religiosa, o Demônio, o bem e o mal, a vida e a morte, entre outras tantas questões que afligem a alma humana.
André Cardinali é certamente um jovem atípico. Com apenas 23 anos ele já escreveu quatro romances, é graduado em Rádio e TV, atua como roteirista, repórter, compositor e escritor. Nascido em Piracicaba, no interior de São Paulo, aos 7 anos ele já surpreendia a professora de Português com suas redações. Estátuas de Sal é sua primeira publicação, uma iniciativa da Editora Novo Século, que dedica um de seus selos editoriais aos novos talentos brasileiros.


Autor:  CARDINALI, ANDRÉ
Editora: NOVO SÉCULO
Assunto: LITERATURA NACIONAL - DRAMA
ISBN: 9788576793755
Origem: NACIONAL
Ano: 2010
Edição: 1
Número de Páginas: 296
Acabamento: BROCHURA

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