quarta-feira, 30 de março de 2011

Resenha - "O Garoto da Casa ao Lado" (Irene Sabatini)

Esta obra é a mais poética, arrebatadora e dolorosa visão sobre o processo de amadurecimento do Zimbábue, país africano colonizado pelos ingleses no século XIX, após a descoberta de ouro em suas terras. O pioneiro Cecil Rhodes, que investiu no desenvolvimento desta nação, inspirou seu nome antigo, Rodésia, que permaneceu em voga até a conquista da independência, em 1980.
Convivem neste território os ancestrais shonas, de procedência banto, e os ndebele, de naturalidade zulu, que desembarcaram neste país no século XIX. Há também os rhodies, brancos africanos. É neste contexto que se desenrola a história de amor e a maturação emocional de dois jovens zimbabuanos, Lindiwe e Ian.
Mamãe, papai, Rosanna e eu tinhamos assistido à Cerimônia de Independência na televisão, há mais de dois anos. O Príncipe Charles parecia meio triste quando lhe deram a bandeira britânica; tinha a boca muito firme, como se estivesse fazendo força para não chorar, para não envergonhar a Rainha. Em toda a semana anterior, o Herald fizera uma lista das beldades zimbabuanas brancas que seriam noivas perfeitas para o príncipe.
A autora enfoca o relacionamento entre a garota negra, que acaba de completar 14 anos, e o jovem branco, de 17 anos, acusado de matar sua madrasta ao incendiar seu corpo. Tudo acontece na casa ao lado da que a família de Lindiwe reside. Este evento marca não só a cidade de Bulawayo, mas também a vida destes adolescentes, que estão apenas iniciando sua trajetória existencial.
Aos poucos seus passos convergem para as mesmas trilhas, seus corações passam a balançar no mesmo compasso, apesar de todas as diferenças étnicas, sociais e comportamentais. Eles pertencem a mundos distintos, mas nada os impede de mergulhar em uma paixão proibida, que pode virar suas vidas de cabeça para baixo.
Enquanto falava, eu pensava que não se parecia com nenhum dos brancos que eu já tinha visto em Bulawayo. Tentei descobrir se eu sentia isso apenas porque estava começando a conhecê-lo. Se eu não o conhecesse, se o visse nas ruas, será que pensaria "ah, olha ali um rhodie, saudosista da Rodésia"? Tentei refletir sobre o que o tornava diferente para mim, o que eu gostava nele; quis fazer uma lista na minha cabeça. Mas era difícil fazer uma lista, pois eu parecia voltar sempre a um só ponto: ele é Ian, o garoto da casa ao lado, a pessoa que estou começando a conhecer.
Ian McKenzie provém de um ambiente familiar conturbado. Ele foi supostamente abandonado pela mãe aos 6 anos e logo cedo teve que aprender a conviver com a brutalidade e o alcoolismo de seu pai, um veterano de guerra, e com uma madrasta que lhe impunha terríveis humilhações, além de levar sempre um amante novo para casa na ausência do marido.
Lindiwe Bishop também é filha única; seu pai era pardo, mas orgulhoso de sua origem racial; ele trabalhava nos Correios, no setor de telecomunicações, e ocultava terríveis segredos sobre sua participação nos confrontos pela Independência do país. Sua mãe, negra, mas preocupada em agradar os brancos, refugiava-se na Igreja e obrigava sua filha a agir como as crianças rhodies.
Minha escola nova era outrora uma Escola Grau A, exclusiva para brancos. Eu passara por uma prova de ingresso. Papai torceu a boca; não gostava quando mamãe falava em pardos e negros. Ainda que todos o classificassem como pardo (ele tinha pele clara, cabelo bom e nariz reto), ele não se via assim. (...) Tinha orgulho da mãe, que o criara em Nyamandhlovu. Seu pai era um fazendeiro branco que concordara em colocar seu nome na certidão de nascimento e pagara por seus estudos.
Apesar de todas as impossibilidades, os caminhos de Ian e Lindiwe estão sempre se cruzando, mesmo depois do tempo em que permanecem distantes, quando seus destinos parecem navegar por águas totalmente distintas. A intensidade do sentimento que os une, porém, transcende desafios e obstáculos, sejam eles pessoais ou emergentes do panorama político-social, indissociável dos problemas raciais e existenciais de cada zimbabuano.
Além dos protagonistas, a narrativa é povoada por personagens inesquecíveis, como o guerreiro Maphosa; a doce Rosanna; a sensual Bridgette; e, do lado sombrio, Robert Mugabe, chamado ironicamente de Bob por seus adversários, que subiu ao poder em 1980 como líder socialista, permaneceu como presidente e ainda continua no comando do país, após diversas eleições controvertidas.

Residência em Bulawayo

E aí vai, aí vai o nosso querido presidente e intrépido primeiro viajante (o Vasco da Gama africano, partindo para descobrir mundos perdidos, como o definiu gloriosamente o secretário-geral do centro acadêmico), trajando as mais finas vestimentas, alegre e entusiasmado como um garotinho de escola. Realmente, por que não? Uma vida de serviço aos outros deve certamente, certamente, ser recompensada um dia. Nada mais justo.
Nesta história rica em informações históricas e culturais, entretecida por uma linguagem em alguns momentos poética, e em outros instantes crua e assustadora, a autora se espelha na protagonista. Ela também cresceu em Bulawayo, consumindo vorazmente os livros da biblioteca pública local; foi igualmente para a Universidade e se deixou seduzir pelo fascínio de outras culturas e experiências.
Seus personagens são tão nítidos, suas trajetórias tão vívidas, que chegamos a acreditar na sua real existência, tão tangível como a história de seu país. Ian e Lindiwe representam, talvez, o futuro de uma nação que ainda não se concretizou; eles são frutos da mente inventiva e esperançosa de uma zimbabuana que acredita em seu país, apesar de toda a destruição que testemunhou.
"As pessoas estão desesperadas", repetem todos. As pessoas estão desesperadas. Estamos seguindo rapidamente pelo caminho da África do Sul. Sequestros e coisas assim. Os jovens veem todos aqueles Pajeros e também querem enriquecer rápido. Veem a corrupção e o roubo entre os mais velhos, então por que não eles? Por que têm de morrer de fome, sacrificar-se, ser panacas como seus pais? Por que têm que ficar para trás? Não. Sem chance. Vão botar as mãos no que desejam, rapidinho. Se o governo não lhes arruma empregos, vão se virar por conta própria.
Não posso também deixar de mencionar que um dos personagens principais deste livro é a memória; são seus fios que conduzem o leitor através das lembranças de Irene Sabatini; elas são praticamente convertidas em cenas cinematográficas na nossa mente, tamanha a riqueza de detalhes presente nas descrições do Zimbábue recém-independente e na revelação de sua profunda decadência posterior.
Irene Sabatini decidiu se aventurar por outros países após concluir os estudos universitários; escolheu a Colômbia, pela profunda sintonia com sua cultura. Foi aí, ao meditar em um antigo monastério dominicano, que lhe veio a inspiração deste livro, seu primeiro romance, premiado com o Orange Award 2010 na categoria autora revelação.

Autor:  SABATINI, IRENE

Editora: NOVA FRONTEIRA
Assunto: LITERATURA ESTRANGEIRA - DRAMA
ISBN: 9788520922354

Origem: NACIONAL
Ano: 2011
Edição: 1
Número de Páginas: 411
Acabamento: BROCHURA

sábado, 26 de março de 2011

Estátuas de Sal (André Cardinali)

Este é um dos livros mais marcantes, perturbadores e surpreendentes que já li. Quando iniciei sua leitura, que por si só já é uma jornada existencial de autoconhecimento, descobertas e transformações, não poderia jamais imaginar que cada página me levaria de um mergulho completo nas sombras até um novo despertar.
Assim, o leitor mais atento pode se tornar a companhia ideal de Alice, a protagonista, em sua viagem ao encontro de si mesma e das respostas que tanto busca; eles poderão seguir juntos e compartilhar cada questionamento, dúvida, reflexão, confusão e angústia.

Nos outros bancos, pessoas rezavam fervorosamente para agradecer, pedir auxílio, achar conforto... Deus atendia suas preces, disso eles tinham certeza, mas nem sempre era como eles queriam, porque Ele sabe o que é melhor para todo mundo e, às vezes - e a Aliança no altar lembrava isso -, era preciso agir duramente com os humanos para que eles entendessem. Bom, isso era o que ela costumava pensar.
O prólogo do livro indica uma trama eletrizante e nos leva a alimentar vastas expectativas relativas ao desdobramento da história. Mas quem espera por uma sequência ininterrupta de ação e suspense acaba se decepcionando no início da narrativa, que se passa mais no interior de Alice. Esta etapa, porém, é fundamental para o desenvolvimento do enredo, e exige uma boa dose de atenção e concentração.
É neste momento que o autor apresenta sua personagem, talvez uma espécie de alterego, por meio da qual ele mesmo revela sua visão sobre Deus, ou melhor, a evolução de seu ponto de vista. Á medida que os dilemas interiores de Alice se tornam familiares, nos convidando, muitas vezes, a partilhar de suas indagações e questões, a trama vai adquirindo outras tonalidades e conquistando outros rumos. Quando o leitor se dá conta, já está totalmente envolvido e não consegue mais se desligar da história.

Nascemos para nos encontrar com ele e viver em Sua Paz eternamente, após a morte. (...) Entretanto, a questão continua a se aplicar: por quê? Por que um ser Onipotente, Onisciente e Onipresente precisaria de seres inferiores como nós? Para fazer o quê? A pergunta ficava no ar, naquele ar pesado, preso no apartamento há dias e que zanzava pelos cômodos, sem se reciclar, já que nenhuma janela ou porta havia sido aberta.
Há dez anos a cidade de São Paulo, considerada o centro do pecado e da corrupção, das sombras e do desprezo aos ensinamentos do Criador, foi destruída, supostamente por um Deus colérico que se volta contra suas criaturas quando perde as esperanças com relação à Humanidade.
Alice perde a mãe nesta tragédia que se abateu sobre uma das maiores metrópoles do Planeta, e agora seu pai também está morto, e tudo indica que ele cometeu o suicídio. A jovem, porém, não consegue acreditar nesta versão. Após permanecer algum tempo isolada em seu apartamento, sem forças para continuar a viver, ela decide sair em busca de respostas. Não só em relação à morte de Alberto Villela, mas também e talvez principalmente no que diz respeito a Deus e ao que ela considera Sua máxima traição.

Estátuas de sal, lembrava-se da expressão. Ela designava um suicídio em massa. Desde o incidente em São Paulo, muitas pessoas se suicidaram nas cidades que faziam fronteira com a antiga capital. Em todos os casos, os suicidas deixaram cartas (...) Algumas cartas ainda chegavam a atacar Deus, discordando de sua atitude de destruir a cidade, afirmando que "não fazia sentido". (...) O nome era uma referência à mulher do profeta Ló da história de Sodoma. (...) A mulher, no entanto, no momento da destruição da cidade, virou-se e transformou-se em uma estátua de sal.
Para continuar viva, a protagonista precisa encontrar o sentido da existência, agora que o Criador decidiu aniquilar seus filhos; afinal, porque Ele os criaria para logo depois destruí-los? Ao receber uma enigmática correspondência, ela segue as pistas nela contidas e inicia uma jornada que a conduz até as ruínas de São Paulo, na qual a entrada de qualquer ser vivo foi proibida após o evento apocalíptico que a atingiu.

Da morte, da destruição, surgia a vida. Não era assim no mundo inteiro, desde o começo? O ciclo da vida e da morte. Os átomos que compunham o corpo de Alice já compuseram uma árvore, um animal, outra pessoa. A própria alimentação já representava esse ciclo. Matar para viver, mesmo que fosse tirar a vida de um vegetal. Morte e vida se completam, pensou. São lados da mesma moeda. Um não existe sem o outro.
Nestes dias sombrios em que estamos mergulhados, esta é com certeza uma leitura indispensável. Ao longo do caminho o autor transmite, por meio de enigmas e inusitadas profecias, profundas reflexões sobre a Divindade, tolerância religiosa, o Demônio, o bem e o mal, a vida e a morte, entre outras tantas questões que afligem a alma humana.
André Cardinali é certamente um jovem atípico. Com apenas 23 anos ele já escreveu quatro romances, é graduado em Rádio e TV, atua como roteirista, repórter, compositor e escritor. Nascido em Piracicaba, no interior de São Paulo, aos 7 anos ele já surpreendia a professora de Português com suas redações. Estátuas de Sal é sua primeira publicação, uma iniciativa da Editora Novo Século, que dedica um de seus selos editoriais aos novos talentos brasileiros.


Autor:  CARDINALI, ANDRÉ
Editora: NOVO SÉCULO
Assunto: LITERATURA NACIONAL - DRAMA
ISBN: 9788576793755
Origem: NACIONAL
Ano: 2010
Edição: 1
Número de Páginas: 296
Acabamento: BROCHURA

sexta-feira, 11 de março de 2011

Indicação - Educação e Espiritualidade - Interfaces e Perspectivas (Dora Incontri, org.)


 

Nesta obra a principal preocupação é a reflexão sobre o diálogo interreligioso, praticado a partir das salas de aula, no interior de um planejamento interdisciplinar e pluralista. Várias linhas educacionais são apresentadas em suas páginas, e mesmo as propostas mais modernas estão fundamentadas nas sólidas bases implementadas por educadores como Comenius, Janusz Korczak, Pestalozzi e Allan Kardec, seu discípulo.

Os organizadores deste volume reservam um espaço para a manifestação de cada vertente religiosa significativa do mundo contemporâneo, permitindo que seus representantes esbocem sua visão de uma pedagogia multidisciplinar que propicie ao aluno a aquisição de valores morais imprescindíveis, sem que um corpo doutrinário lhe seja imposto. Este caminho conduz ao estabelecimento da tolerância e à aceitação das diferenças.

No texto Educação e Espiritualidade - quando, como e porquê -, da educadora e organizadora deste livro, Dora Incontri, em parceria com o pedagogo Alessandro César Bigheto, os autores fazem um levantamento histórico do ensino religioso nas escolas, da interação entre educação e religião, dos abusos das religiões institucionais, passando pela separação entre o laico e o sagrado, até atingir outra posição radical, a do extremismo materialista, nada isento de implicações ideológicas. No mesmo artigo eles propõem um olhar de síntese, que transcende o fanatismo religioso e também a postura cética e pessimista dos materialistas, a partir da análise das teorias de Pestalozzi, Kardec e Erich Fromm.

A tentativa democrática ocidental dos últimos séculos de separar o Estado da religião, e com isso fazer uma educação pública, laica, afastada do domínio religioso, justifica-se como reação histórica à repressão secular das igrejas, à imposição religiosa que povos inteiros sofreram.
Entretanto, como em todo processo dialético, em reação a determinado extremismo, surge outro extremismo, às vezes tão intolerante quanto aquele que se quis contestar.

Laura Lippman e Hugh McIntosh expõem em seu ensaio o índice de incidência da espiritualidade e da religiosidade entre os jovens nos Estados Unidos. A pesquisadora do tema Educação Religiosa, Marian de Souza, discorre sobre a carência de paixão e entusiasmo nas aulas de religião e apresenta um modelo curricular enraizado em um aprendizado holístico, veiculado a partir de um vínculo profundo entre percepção, pensamento, sentimento e intuição, por meio do qual o ser vivencia o mundo.

O filósofo e educador Regis de Morais é o responsável por um dos mais belos textos que compõem esta obra – Deus, a Ciência e a Educação -, no qual ele se baseia no pedagogo espírita José Herculano Pires. O autor aborda com leveza e delicada veia poética a controvertida relação entre Deus, a Ciência e a Educação. Entre as várias passagens profundas e inesquecíveis, ele defende a prática da coragem humilde para a reconstrução da realidade educacional.

Herculano Pires demontra-nos que mil manobras sombrias foram empregadas, pelos milênios, pelo fanatismo religioso e pelos interesses político-institucionais para "a salvação da Humanidade", e tudo isso trouxe a um tempo de hipocrisias religiosas e morais e de ressentido materialismo.

A professora Ana Szpiczkowski é a produtora de outro artigo contagiante, que discorre sobre a vida e a atuação do educador polonês Janusz Korczak, que legou à Humanidade seu trabalho educacional único junto aos pequenos órfãos, através do qual ele desenvolveu um sistema de autogestão social. Judeu em plena era de perseguição nazista, ele optou por morrer ao lado de suas crianças no campo de Treblinka.
Em Diálogos entre o Oriente e o Ocidente o Doutor em Ciências da Religião, André Andrade Pereira, ressalta a importância de uma interação entre as religiões orientais e as ocidentais nas escolas, especialmente através da prática da meditação. Alexandre Leone é o representante da vertente judaica, e seu discurso se baseia na mística de Abraham J. Heschel, a qual contribui para a constituição de uma filosofia da espiritualidade judaica contemporânea.

Os demais textos que compõem a segunda parte desta obra, Educação e Espiritualidade, apresentam a visão católica – Luiz Jean Lauand realiza um esboço filosófico da construção do Catolicismo, destacando a importância de Tomás de Aquino; o ponto de vista budista, defendido por Tiago Pires Tatton Ramos, que cria uma aproximação entre o budismo, algumas vertentes psicoterápicas e o pensamento de determinados educadores, como Rubem Alves.

As tradições africanas também ganham um espaço importante neste livro, graças ao ensaio esclarecedor e fascinante do doutor em Ciências da Comunicação Juarez Tadeu de Paula Xavier, que realiza um estudo da oralidade africana através da análise bem-estruturada da cultura iorubá. Alysson Leandro Mascaro conclui esta esfera principal da obra com sua investigação inusitada dos laços que conectam religião e política, a partir dos quais ele produz sua visão da filosofia espírita.

O legado sagrado da palavra confere à humanidade a capacidade de criação. As palavras arquitetam cenários. Elas guardam uma dimensão mágica que faz vibrar todas as partes do universo. (...) Com essa vibração como eco de fundo é que se deve pensar a importância dos tradicionalistas em manter a autenticidade da transmissão oral.

Platão
A terceira parte deste livro abriga os textos que discorrem sobre Reencarnação e Educação. Daniel Donnet é o autor de dois ensaios iluminadores sobre esta temática; no primeiro ele aborda as filosofias indianas para localizar, no âmago deste pensamento, o papel do ego; no segundo, o Doutor em Filosofia e Letras se preocupa mais com as teorias tecidas pelos gregos antigos, passando pelo Orfismo, por Pitágoras e Empédocles, chegando a Platão, aos primeiros momentos do Cristianismo e finalmente à era romana. Alessandro Bigheto também se atém aos ensinamentos de Platão, que remetem à reencarnação e aos processos educacionais.

Figuram nesta divisão, igualmente, textos mais específicos, como os que narram o mecanismo de renascimento entre os trobriandeses, sociedade de natureza matrilinear, e os budistas; e casos de crianças portadoras de memórias passadas, especialmente no Sul e Sudeste da Ásia, no oeste asiático e africano, no Brasil e no noroeste da América do Norte. Ian Stevenson, um dos principais estudiosos do tema, também realiza suas incursões nesta esfera das existências passadas. Dora Incontri finaliza esta obra com sua exposição pessoal de um projeto de Pedagogia Espírita para as escolas brasileiras.

No Ménon (81b-d), por outro lado, Platão postula a pré-existência da alma em vidas anteriores para explicar sua capacidade de conhecimento:

Como a alma é imortal e veio várias vezes ao nascimento, e viu todas as coisas tanto aqui neste mundo quanto no Hades, fica excluído que ela não tenha aprendido nada. Não é, portanto, surpreendente que a respeito da virtude e de outras realidades, ela possa se lembrar daquilo que ela sabia anteriormente.

Deixei para o final a primeira parte porque ela reserva um cantinho especial para o tema Saúde e Espiritualidade, composto por três artigos. O primeiro, assinado pelo doutor em Medicina e Psiquiatria C. Robert Cloninger, pela psicóloga Ada Zohar e pelo educador Kevin Cloninger, fala sobre os cuidados com a saúde mental e as deficiências no quesito de promoção do bem-estar. O segundo, elaborado pelos psiquiatras André Stroppa e Alexander Moreira-Almeida, expõe os resultados de pesquisas sobre como a espiritualidade do paciente influencia as condições de sua saúde e a própria cura. O terceiro é o relato do processo de gestação do ProSER - Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade – no interior do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, elaborado pelo médico psiquiatra Frederico Camelo Leão.

Dora Incontri, organizadora deste volume, é jornalista, mestre, doutora e pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP, diretora da Editora Comenius, coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e da pós-graduação de Pedagogia Espírita pela Universidade Santa Cecília e pelas Faculdades Integradas Espíritas.

Promoções

Oi leitores do Prosa Encantada!

Em breve estarei sorteando os primeiros livros neste blog.

Por enquanto pretendo conquistar a atenção de vocês com a minha paixão pelos livros, algo que temos em comum, certo?

Mas quem ler e comentar meus textos e seguir o blog já estará acumulando pontos para concorrer aos brindes. Portanto, não fique para trás, amplie suas oportunidades de ser sorteado. Aguardo vocês aqui no Prosa Encantada.

Resenha - "Linhas" (Sophia Bennett)


 
Se alguém espera encontrar aqui apenas mais um produto do gênero chick-lit, uma obra voltada somente para mulherzinhas, está enganado. Embora a princípio este livro realmente pareça navegar nesta direção, logo o leitor percebe que está diante de uma história completamente diferente, na qual nada parece ser o que é.

As protagonistas são aparentemente três adolescentes comuns, com sonhos, desejos, questões típicas da idade; por outro lado, porém, elas já definiram seus caminhos profissionais. Nonie, filha de uma ex-modelo e neta de uma fiel adepta da alta-costura, é apaixonada por moda, mas não sabe desenhar, nem tem o corpo apropriado para seguir os passos da mãe.

No caminho para o metrô, dois sujeitos de jaqueta e calças jeans encardidas berram do outro lado da rua:
- Esquisitona!
- Se enxerga, perna prateada!
Eddie passa um braço pelos meus ombros, de maneira protetora. Jenny segura minha mão. Mas eu estou acostumada com isso, não me importo mais. Se algum megadeus da moda debochar do jeito como eu me visto, talvez eu até fique ligeiramente abalada, mas caras vestindo jeans da cabeça aos pés não estão lá em posição de me criticar.

Jenny é uma ótima intérprete teatral, mas subitamente tem a oportunidade de iniciar uma carreira cinematográfica em Hollywood, a Meca dos astros e estrelas, com os quais irá conviver e contracenar nos tapetes vermelhos e sob os holofotes da mídia especializada. O problema é que isso acontece justamente quando seu corpo passa pelas terríveis transformações da adolescência, as fatídicas espinhas, os seios que crescem demais e o tão temido aumento do peso.

Edie é a garota que não se interessa tanto quanto as amigas pelas ‘futilidades’ da vida; seu passatempo, com certeza, não é percorrer alucinadamente as vitrines das lojas, como Nonie, que a inveja por ela ter um corpo de modelo, oculto sob roupas clássicas e convencionais. Seu sonho é ser um membro das Nações Unidas e transformar o Planeta; ela mantém um blog, pois tem a incrível necessidade de compartilhar suas ideias e tudo que sabe sobre as amigas, e nele divulga todas as causas que abraça.

A vida das amigas se modifica radicalmente quando elas conhecem Crow, uma menina de 12 anos, refugiada da Uganda, enviada por sua família para Londres não só com o objetivo de ter melhores oportunidades intelectuais, mas principalmente por razões políticas; é sua única chance de se manter viva. Dotada de um talento precoce e inacreditável para a moda, ela encontra neste universo um refúgio de suas tristezas e uma forma de tentar esquecer o passado. Quando seus caminhos se cruzam, nada será mais como antes.

Mas Crow vem do norte, perto do Sudão, e ali é tudo bem diferente. Há muitos anos o governo combate um grupo de rebeldes chamado Exército da Resistência do Senhor. Os rebeldes se escondem na mata e usam crianças para o combate. (...) As meninas eram obrigadas a ter filhos com os soldados. Por isso, as crianças que moravam nesses vilarejos distantes costumavam caminhar quilômetros e quilômetros todas as tardes até encontrar um lugar seguro em alguma cidade, onde houvesse gente capaz de protegê-las. (...) Eram chamadas de "os andarilhos da noite".
- E Crow era uma delas?

A história é narrada do ponto de vista de Nonie, a qual surpreende o leitor ao revelar ser muito mais que uma garota fútil e superficial. Ela é, com certeza, o alterego da autora, que aproveita este enredo para aliar suas duas paixões: a literatura e a moda. Além do mais, Sophia Bennett se vale de Crow para denunciar a triste realidade das crianças invisíveis da Uganda; Edie representa, nesta obra, a voz que se eleva em defesa desta infância perdida da África.

A autora consegue unir, nesta série que promete abalar não só o universo fashion, mas também um público mais eclético, uma história leve e ao mesmo tempo densa, engraçada, porém igualmente triste. Todos os ingredientes são mesclados nas proporções corretas, e o resultado é um livro original, saboroso e fluente, no qual não faltam nem mesmo doses de um suspense eletrizante. No final resta aquele desejo de já emendar a leitura do segundo volume. Tomara que a sequência seja logo publicada!

A máquina de costura preta está instalada na mesa de trabalho. As roupas prontas já estão na arara e nos cabideiros. Suas criações e inspirações favoritas estão em uma pilha alta de papel, prontas para ser presas com alfinetes em enormes murais nas paredes. Um vestido quase terminado veste o boneco. Moldes de papel cobrem a cama e o chão. Quando apareço para ver se está tudo bem, ela não consegue evitar um sorriso.

Sophia Bennett tinha um sonho desde criança, tornar-se uma escritora. Ao longo da vida, porém, alimentou outros desejos, como o de ser aeromoça ou autora de peças teatrais. Outro desejo intenso era ser estilista, mas seu fracasso como desenhista a impediu de seguir adiante no universo fashion. Antes de embarcar na trajetória literária, Sophia publicou alguns de seus escritos em veículos como The Times e Guardian; ela também criou quatro contos protagonizados por detetives. Hoje ela reside em Londres, ao lado do marido, de quatro filhos, várias árvores, patos e cisnes.