quarta-feira, 27 de abril de 2011

Resenha - "A Fábrica de Sonhos da Pixar" (Robert Velarde)



Se alguém procura um portal mágico por onde seja possível compreender mais a fundo as mensagens transmitidas pelos desenhos encantados da Pixar, a chave está neste livro de Robert Velarde. Em suas páginas é possível encontrar não interpretações fechadas e dogmáticas, mas esforços bem-sucedidos de compreensão das animações que, a cada ano, cativam crianças e adultos com suas imagens e histórias sedutoras.
Nesta obra o autor extrai conteúdos preciosos das produções da Pixar Animation Studios, e os analisa de uma perspectiva cristã, com apoio na Bíblia e também na Filosofia. Ele também deixa margem para a interpretação pessoal de cada leitor ao apresentar a visão do estúdio e os resumos de cada enredo.
Embora possamos estar assistindo a brinquedos ou carros que ganham vida, ou monstros, ou até mesmo ratos, os personagens criados pela Pixar possuem características de realidade com as quais podemos nos identificar. Além disso, em nosso mundo obscuro e muitas vezes negativo, os filmes da Pixar oferecem esperança, imaginação, beleza e um grau de pureza e inocência que chegam a ser considerados contraculturais em nossa época.
A Pixar se constituiu como empresa autônoma em 1986, sendo posteriormente adquirida pela Disney em uma transação financeira que envolveu 7,4 bilhões de dólares. Ela vem colecionando sucessos de público a cada criação produzida por uma tecnologia virtual cada vez mais sofisticada.
Robert deixa claro, na Introdução, que não tem a intenção de converter as animações em parábolas cristãs, nem de induzir o leitor a crer que a Pixar tem o objetivo consciente de transmitir uma lição evangélica subjacente aos roteiros de seus desenhos. Ele apenas busca, em cada uma delas, a presença de virtudes como identidade, justiça, amizade, humor, família, coragem, entre outras, que compõem os capítulos desta obra.
Nos dois primeiros ele expõe um ponto de vista mais amplo das ideias que orientam este livro: virtude, sabedoria, esperança e imaginação. Nos demais o escritor explora os temas-chave da obra a partir da interpretação de um filme específico, embora outras animações sejam também debatidas no que se refere à temática enfocada.
A imaginação é parte da natureza humana e a chama criativa está em nossa constituição. (...) A Pixar claramente valoriza a criatividade e a imaginação. Juntamente com a ênfase colocada em contar uma boa história, os filmes da Pixar se desenvolvem a partir de personagens e cenários criativos, frutos da imaginação. As animações não ignoram as únicas e variadas expressões da criatividade artística nos seres humanos. Ratatouille, um filme sobre um rato que quer ser um chef de cuisine, é bastante claro no que diz respeito a sua admiração pela imaginação humana.
O autor acredita que os filmes da Pixar não só divertem o público, mas vão “Ao infinito... e além!”, como sempre nos adverte o personagem de Toy Story, o patrulheiro espacial Buzz Lightyear. Esta frase convida o espectador a criar uma perfeita identidade com as realidades imaginárias concebidas pelos produtores deste estúdio, os quais se valem, principalmente, da criatividade e da imaginação.
Os capítulos do livro têm basicamente a mesma estrutura; ao discutir, por exemplo, a questão da identidade, Robert elege o filme que irá guiar este debate – neste caso, Toy Story –, oferece dados básicos sobre sua produção, introduz o conceito que será analisado, revela sua perspectiva bíblica, o ponto de vista da Pixar e então se aprofunda na interpretação da animação principal, deixando igualmente espaço para a apresentação de um ou mais desenhos que se relacionem ao mesmo tema.
Para captar as maravilhas naturais a partir da perspectiva das formigas, a equipe da Pixar criou o que eles chamaram de bug-cam (câmera-inseto, em tradução livre). O dispositivo em miniatura tinha uma câmera acoplada que filmaria do ponto de vista de uma formiga, ou seja, como seria para formigas rastejar pelo chão e olhar para flores, folhas, árvores e outros objetos.
No final de cada parte há questões para discussão que podem ser essenciais não só para o próprio leitor testar seu entendimento do texto e das produções abordadas, mas principalmente para debates coletivos, os quais podem ser inclusive encenados no ambiente escolar, pois alguns dos tópicos propostos são mais amplos, excluindo o viés religioso, que no contexto educacional pode, às vezes, ganhar uma conotação mais polêmica. Além disso, no Anexo C há um Guia para discussão sobre os filmes, o qual pode enriquecer ainda mais a troca de ideias.
Outros anexos completam o livro. No primeiro há um breve resumo das dez animações enfocadas nesta obra: Toy Story 1 e 2; Vida de Inseto; Monstros S. A; Procurando Nemo; Os Incríveis; Carros; Ratatouille;Wall-E e Up – Altas Aventuras. Toy Story 3 não chegou a ser incluída entre as produções da Pixar, talvez por ser muito recente. No segundo o leitor encontra uma lista dos dez curtas que acompanharam, no cinema ou em DVD, os longas criados pelo estúdio.
O exercício que Velarde nos propõe em A Fábrica de Sonhos da Pixar é rico e estimulante, principalmente quando o mundo moderno atravessa uma profunda crise de valores e um surto de ceticismo e materialismo sem precedentes. Sua análise nos leva a admirar ainda mais as produções deste estúdio cinematográfico, a correr para assistir os desenhos que perdemos e a rever os outros com um novo olhar.
Entre outras questões, o autor nos questiona sobre a importância da identidade, de sabermos quem somos, qual o propósito de nossa existência, a partir da crise vivenciada pelo personagem Buzz Lightyear, o qual não tem, a princípio, consciência de ser apenas “um brinquedo de criança”.
Quando cai no chão, Buzz quebra um braço e fica frustrado, impotente e confuso. “Eu sou apenas um brinquedo, um brinquedo estúpido e insignificante”, diz. (...) Woody esqueceu que ensinara para Buzz que “a vida só vale a pena quando a gente é amado por uma criança”. Nesse caso, Woody sabe que é um brinquedo, de modo que esse aspecto de sua identidade não é misterioso. Entretanto, ele está lutando contra outro aspecto de sua identidade, ou seja, o que é que ele deve fazer como um brinquedo? De modo similar, cada um de nós sabe que é humano, mas o que é que devemos fazer conosco como seres humanos?
Outro tópico fundamental é o da família, debatido a partir do filme Procurando Nemo. O amor paterno é o principal viés deste debate; através do sentimento possessivo de Marlin pelo filho Nemo, construído essencialmente por meio do medo da perda, o autor desenvolve uma bela discussão sobre a paternidade, o poder da fé, a importância da jornada existencial para o aprendizado e a evolução espiritual.
Cada capítulo é uma profunda lição de vida, um mergulho na alma humana. Este é, com certeza, um livro imperdível para pais, filhos, alunos, professores, humanos em geral. Ele nos leva a refletir sobre a qualidade de vida no mundo enlouquecido em que vivemos; muitas vezes estamos tão envolvidos em sua velocidade frenética que mal temos tempo para pensar em nossa própria caminhada.
À beira do pânico, Marlin diz: “Eu tenho que sair daqui! Eu tenho que achar meu filho! Eu tenho que contar para ele quantos anos as tartarugas vivem!” O que é tocante nessa cena é o incrível poder do amor paterno mostrado por Marlin. Tudo o que ele quer é continuar a busca por seu filho. (...) Um jogo de palavras ressalta o ponto. “Ela [a baleia] disse que a gente precisa soltar logo”, diz Dory. “Vai dar tudo certo”. (...) O jogo de palavras é uma metáfora para a paternidade. Às vezes os pais têm de soltar e confiar que seus filhos estarão bem. Obviamente, não sabemos ao certo se algo de ruim pode realmente acontecer, mas não podemos carregar esse peso para sempre.
Robert Velarde é integrante da Sociedade Evangélica Teológica, da Sociedade Filosófica Evangélica, da Sociedade dos Filósofos Cristãos e da Sociedade Internacional de Cristãos Apologéticos. Ele mora com a esposa, quatro filhos e inúmeros objetos da Pixar em Colorado, nos Estados Unidos.

  • Editora: Universo dos Livros

  • Autor: ROBERT VELARDE

  • ISBN: 9788579302145

  • Origem: Nacional

  • Ano: 2011

  • Edição: 1

  • Número de páginas: 207
  • sábado, 23 de abril de 2011

    Resenha - "Abascanto" (Diogo de Souza)

    O autor afirma que escreveu este livro apenas para entreter o leitor e a si mesmo, mas acredito que ele foi bem além desse propósito inicial. Sua obra é uma parábola moderna sobre os descaminhos a que o ódio e o desejo extremo de vingança podem conduzir o ser humano, e uma apologia da tolerância e da liberdade de escolha.
    Ele atinge seu objetivo ao mesclar pitadas de romance, muita ação, suspense, momentos eletrizantes, seres misteriosos e revelações que são dosadas gradualmente, muitas delas imprevisíveis, até mesmo para os leitores mais perceptivos. No prólogo já é possível perceber os rumos que determinarão a trama; aí já estão presentes os grigori, criaturas de outra dimensão, e os caídos, rebeldes que deixam a Eternidade para permanecer na Terra, com os mais diferentes propósitos.
    - Você conhece as regras, Neberiah. Elas existem por um motivo. Não importa quantas pessoas você salve. Você está acabando justamente com o que quer salvar.
    Neberiah gritou, quase desesperado:
    - Mas eles vão se destruir!
    Kaliel respondeu, plácida:
    - É o direito deles.
    Estes seres são como os anjos bíblicos, etéreos, diáfanos, pura energia. Os grigori seguem as regras cósmicas, as quais não permitem que o Homem tenha seu livre-arbítrio violado, mesmo que suas escolhas conduzam a Humanidade a sua própria destruição. Os caídos pensam de outra forma: alguns deles, como Sariel e Belial, que estão na Terra há sete mil anos, acreditam que o ser humano deve ser salvo de si mesmo, e para alcançar esse fim todos os meios são válidos.
    No início da história três grigori se materializam em uma rua escura e deserta; é muito interessante acompanhar as distintas reações de Kaliel, Daqshael e Oriniel aos seus corpos e ao ambiente terreno. Logo depois eles já estão em pleno combate de espadas com seus oponentes, dois caídos, Neberiah e Azra, os quais são derrotados, embora Oriniel também seja abatido neste conflito.
    Da luz, três corpos começaram a surgir. (...) Formados a partir do nada, criados naquele mesmo instante, três seres com a forma humana apareceram no meio da rua. (...) Não tinham nomes, uma vez que acabavam de surgir, mas eram indivíduos: de onde vinham, tinham identidades próprias. A cada identidade, a cada uma daquelas personalidades, correspondia uma vibração, e a cada vibração, um som. (...) ainda ligados a um mundo onde o tempo e o espaço quase não tinham significado.

    Estas lutas se multiplicarão ao longo do livro; na verdade, apesar das vivas descrições destes embates, eles se tornam um pouco repetitivos no final do livro, talvez mesmo por conta da riqueza de detalhes, pois cada golpe dos adversários é descrito minuciosamente ao longo dos confrontos.

    Vinte e três anos depois, Daqshael e Kaliel ainda estão na Terra, e aos poucos o leitor descobrirá o vínculo que os une aos protagonistas, Érico e Aline, Nephilins, filhos de um anjo e uma mortal, e irmãos gêmeos separados por inúmeras tramas do destino, orquestradas pela liberdade de escolha dos envolvidos nesta história.
    Quando finalmente os irmãos se encontram, trágicos eventos os afastam novamente. Aline está casada com Sariel, o caído que deseja salvar a Humanidade por meio de sua destruição; Érico cruza o caminho deste ser exatamente quando ele mata o grigori que tenta impedi-lo de dar sequência a seus planos, e passa a ser perseguido pelo cunhado, o qual desconhece a ligação da esposa com a testemunha de suas ações.
    Só naquele instante... Só ali ela percebeu o imenso vácuo de identidade que se preenchia. Vinte e três anos ela vivera sem saber de onde vinha, de quem descendia, o que tinha herdado. Vinte e três anos sob a sombra de pais que não a amaram o bastante. Vinte e três anos debaixo de uma história subliminar que nunca seria contada. Vinte e três anos nas trevas, e ela nunca havia percebido.
    Para complicar ainda mais este inusitado contexto, Érico descobre que seu pai também é um grigori, e um passado desconhecido aflora diante de seus olhos, provocando em seu íntimo uma crise de identidade sem precedentes. O protagonista descobre também que nasceu com um ‘abascanto’ natural, ou seja, uma proteção contra os poderes que irradiam dos seres de outra dimensão; é por esta razão que somente ele pode testemunhar a morte do grigori.
    Novos e trágicos eventos opõem radicalmente Érico e Sariel; o jovem se deixa dominar pelo ódio cego e por um avassalador desejo de vingança, sentimentos que cristalizam seu coração e se transformam em fantasmas a pairarem incessantemente sobre sua mente entorpecida pela ideia fixa de destruir o caído. Ele fica surdo a todos os apelos que o estimulam a perdoar para poder triunfar sobre os planos ambiciosos de seu adversário, e suas emoções conturbadas o conduzem a um caminho sem volta.
    A tia pousou a mão no ombro dele. O toque algemou seu olhar ao dela.
    - Érico. Eu acho que você deveria lidar com isso de outra forma, meu anjo. Encontrar em você a força para perdoar Sariel. Isso o colocaria muito acima dele. Isso, sim, iria libertá-lo. A vingança, Érico, só vai abrir outro buraco no seu espírito. Ela não preenche nada. Ela é só mais uma ilusão. (...) Eu vou te ajudar, Érico, porque, se você não for mais forte do que essa situação, se você cair no abismo da vingança, meu anjo, eu eu vou ter que estar do teu lado pra te dar a mão.
    No final, o leitor com certeza sentirá falta dos personagens bem constituídos e do universo fascinante de Diogo; confesso que algumas passagens me surpreenderam demais, e chegaram até a me deixar abalada. Érico não se assemelha jamais aos heróis tradicionais; seus conflitos interiores, suas escolhas, medos, ações e sentimentos espelham os mesmos que nos movem em nossas jornadas existenciais. Aline também não é a garota frágil que aparenta ser; sua força interior emerge quando menos esperamos.
    Este é o segundo livro de Diogo de Souza, já conhecido por Fuga de Rigel, um enredo inventivo que envolve seres paranormais e uma sociedade secreta. Autor independente, ele é uma surpresa no gênero fantástico da literatura nacional contemporânea. Sua inspiração para a concepção de Abascanto nasceu em 2003, mas somente em 2008 ele decidiu dar início a essa trajetória que concebe como um conto de fadas moderno.



    terça-feira, 12 de abril de 2011

    Resenha - "O Evangelho de Coco Chanel" (Karen Karbo)


    O Evangelho de Coco Chanel é uma obra divertida, leve, bem-humorada e saborosa. A autora faz um resgate da trajetória e da filosofia existencial de Gabrielle Chanel, a estilista que revolucionou a história da moda, e a entretece com sua própria visão de mundo.
    Coco Chanel é fruto de uma infância miserável, de perdas precoces, como a da mãe - vítima dos inúmeros partos, da fome e de uma vida sem perspectivas -, e do abandono paterno. A criadora do pretinho básico nasceu em 1883, num asilo para desabrigados em Saumur; este é o primeiro sinal das dificuldades iniciais da sua vida, as quais determinarão, sem dúvida, suas escolhas futuras e a personalidade determinada, dura e, às vezes, cruel.
    Mesmo entre as órfãs, Gabrielle e suas irmãs eram párias. A maioria das meninas de Aubazine tinha uma família grande que podia pagar alguma coisa às freiras. As irmãs Chanel estavam entre as indigentes que não tinham família, ou cuja família era pobre demais para contribuir com alguma coisa, aquelas que comiam mingau aguado em mesa separada e dormiam em quartos sem aquecimento. Coco e suas irmãs eram a escória das meninas pobres.
    Esta não é exatamente uma biografia de Chanel, mas uma exposição de facetas da estilista, enfocadas em doze capítulos autônomos, dos quais a autora extrai lições de vida – não se leia aqui autoajuda, pois não é exatamente essa a intenção de Karen – muitas vezes aplicadas, antes de tudo, a sua própria experiência cotidiana.
    Algumas dessas pérolas são, com certeza, deliciosas, como a ideia de qualquer mulher pode ser duquesa, mas só há uma Chanel, com a qual a escritora justifica a recusa da estilista em se tornar simplesmente esposa. Sim, porque naquela época era impossível para alguém do gênero feminino conciliar o casamento e uma carreira profissional.
    O primeiro tópico sobre Chanel discorre sobre o estilo; aqui Karen tenta definir o que é ser Chanel; a inventora da moda moderna libertou a mulher dos espartilhos, das armações de cabelos exigidas pelos chapéus da época, enfim, de tudo que a impedia de se sentir livre no seu dia-a-dia. Ela aliou elegância, conforto e simplicidade, adaptando figurinos masculinos ao corpo feminino.
    O segundo tema se refere a um traço de caráter fundamental de Chanel, a autoinvenção. A estilista tinha uma inclinação nata à promoção pessoal; ela se envolvia em uma aura de mistério e era simplesmente impossível saber qual a verdade sobre seu passado; aliás, a estilista eliminou esse estágio de sua existência, reelaborou a história de sua infância, matou a Gabrielle real e criou uma nova Coco.
    O primeiro ato consciente de rebelião de Chanel foi mentir. Ela mentia ou embelezava bastante as coisas na sua infância, rearranjando acontecimentos, inventando fatos e personagens, fazendo desaparecer os irmãos. Não tinha nenhum respeito por nada que não fosse criação dela e isso incluía a sua própria história. Tornou-se perita em espalhar informações erradas sobre a sua origem e sua família, e durante muito tempo ela conseguiu enganar o mundo inteiro.
    Essa atitude foi vantajosa enquanto ela podia concentrar suas energias no tempo presente e nas oportunidades que pairavam a sua volta, construindo sua carreira a partir desta base temporal; mas foi negativa em sua velhice, quando o futuro já não existia e o presente tornava-se cada vez mais reduzido. Neste momento o passado teria sido um conforto para ela, se não tivesse sido sumariamente mutilado pela jovem Chanel.
    Mas o problema é que à medida que se vai envelhecendo o passado começa a se acumular como a roupa no cesto de roupa suja de uma república de estudantes. O futuro encolhe, o passado aumenta e recusar-se a ter uma relação com ele é cortar nacos cada vez maiores de quem nós éramos e do que significou a vida.
    Sua coragem e determinação estão presentes no quarto capítulo; estas virtudes nascem de alguém que conheceu logo cedo a dor e o sofrimento e, portanto, não tem nada a perder. Ela simplesmente se jogava nos empreendimentos que idealizava e se aproveitava de todos os recursos disponíveis no aqui e agora, com os quais ela teceu seu destino. É assim que Chanel conheceu o sucesso, com a máxima ousadia, o destemor diante de qualquer desafio.
    Aliás, ela desconheceu os obstáculos, e passou por cima deles como um trator irritado, implacável, cínico e destemperado, fossem estes tropeços do caminho objetos, eventos ou pessoas. Desta forma, ela não se importou de colecionar rivais, e soube exatamente como ignorá-los, destituindo-os de qualquer importância.

    Chanel nunca perdeu tempo com nada, dedicando seu precioso tesouro temporal ao trabalho e ao amor, com destaque para a produção incessante de suas coleções. Ela ia sempre direto ao ponto, não se dedicando jamais a fazer algo somente porque as outras pessoas o fazem. Coco sabia muito bem como ocupar cada momento da sua vida.
    Talvez felizmente para Chanel a infância terrível, desesperada, tenha servido apenas para nutrir a sua inclinação para saltar antes de olhar, imaginando depois, durante a queda, que uso ela poderia dar às nuvens. (...) Se ela tinha uma inclinação para viver na sua própria época, era porque não havia bons tempos para lembrar. Sua ‘madeleine’ proustiana era uma detestável tigela de mingau servida na mesa de um orfanato sem aquecimento. (...) o tempo atual era sempre um tempo melhor de viver do que o passado. Essa atitude também serviu para fazê-la se sentir completamente moderna.
    Karen Karbo é fã inveterada de Coco, mas não se pode acusá-la de ser totalmente parcial. Há escolhas de Chanel que nem mesmo ela pode justificar, por mais difícil que seja para a escritora admitir o lado sombrio da criadora do pretinho básico, principalmente quando ela escolhe virar as costas aos seus conterrâneos, durante a Segunda Guerra Mundial, fechando-se para o mundo e escolhendo ficar ao lado de seu amante nazista.
    Será que alguma vez ocorreu a ela que se cientistas respeitados estavam sendo presos pelo chefe do seu amante, talvez fosse hora de admitir que ela havia agido descuidadamente e que era preciso se livrar dele? Estar com um nazista era melhor do que estar sozinha?
    Muitos não a perdoam até hoje por esta atitude inexplicável e egoísta. Mas não se deve esquecer que boa parte das mulheres da alta sociedade francesa também abriu as portas de suas casas para festas regadas a oficiais alemães a serviço de Hitler. Coco só não sofreu o mesmo destino infeliz de suas companheiras, ao final da Grande Guerra, por intervenção de seu grande amigo Churchill.
    Reflexões sobre Chanel estão entremeadas a meditações saborosas da própria autora; há passagens realmente brilhantes, e uma delas, incluída no tópico sobre o tempo, discorre sobre a nova raça de supermães “sexys, hiperférteis e confiantes”, quando Karen está tentando imaginar como seria a vida afetiva de Coco se ela tivesse nascido em 1963. Este livro com certeza merece ser lido e relido; deve estar sempre na mesinha de cabeceira de toda mulher – e, porque não, dos homens que desejam conhecer melhor o gênero feminino.
    Uma nova raça de supermães sexys, hiperférteis, tranquilamente confiantes e ultra bem sucedidas que nos fazem sentir – a nós que temos um ou dois filhos e um emprego – pesos-leves multitarefa que vivem se queixando. Essa mulher é elegante, impulsiva, teve com um homem a quantidade de filhos suficiente para formar o seu próprio time de basquete, tem um marido sexy, bem-humorado, e uma casa bagunçada, feliz, caótica, povoada por uma ou duas babás, uma empregada e um cachorro excêntrico (...). Ela sempre tem uma aparência fabulosa, embora com os cabelos ligeiramente desalinhados, o que só aumenta o seu charme.
    Karen Karbo é uma escritora norte-americana, nascida em Detroit, nos Estados Unidos. Ela já publicou três romances - Trespassers Welcome Here, The Diamond Lane, e Motherhood Made a Man Out of Me -, todos considerados excelentes pelo New York Times, e quatro livros de não ficção, entre os quais se destacam How to Hepburn e Stuff of Life.
    Chesley McLaren é ilustradora de inúmeras obras e sua produção visual pode ser encontrada em diversas revistas como Town & Country, Vogue, InStyle e Elle. Seu traço, também impresso em seu trabalho como estilista, é considerado tão elegante quanto o das francesas.


    Autora: KARBO, KAREN
    Ilustrações: MCLAREN, CHESLEY
    ISBN: 9788598903149
    Assunto: BIOGRAFIA/MODA
    216 Páginas;
    Preço: R$ 29,90
    Capa: BROCHURA
    Editora: Seoman, 2010

    sábado, 9 de abril de 2011

    Ensaio - A Morte na Literatura de Vampiros

    No mundo moderno pagamos um alto preço pela inovação tecnológica, pelo fluxo incessante de novidades, informações e modismos; enfim, por todas as "facilidades" do dia-a-dia. A violência gratuita e o circo dos horrores invade os noticiários e trazem com eles a presença constante da morte.

    Por outro lado, essa personagem nunca foi tão negada e rejeitada como no universo em que vivemos. Por isso é tão importante que a literatura, principalmente a voltada para  o público infanto-juvenil, precocemente atingida pela morte, enfoque esta questão delicada e polêmica.

    Neste espaço vou estar sempre postando textos sobre livros que, na minha opinião, tocam de forma mais ou menos explícita neste tema.


    
    Anjo da Morte
    

    À primeira vista parece surpreendente que a recente onda de vampiros na literatura faça tanto sucesso e conquiste um número cada vez maior de adeptos. Algo que chama a atenção, porém, nesta leitura, é a questão da presença consistente do que se entende por sobrenatural.

    O mundo contemporâneo avançou, sem dúvida, no campo das descobertas científicas, do avanço tecnológico, das explicações racionais, da sociedade esclarecida e asséptica; o Homem parece caminhar na direção de um universo semelhante ao previsto pelo escritor Aldous Huxley, em sua obra Admirável Mundo Novo, no qual não há mais lugar para a dor, o sofrimento e a morte, sanados e exilados da vida humana através de pílulas desenvolvidas para esse fim.

    Deste cosmos humano foi expulso também o encantamento, mas não sem um alto preço a se pagar por esta exclusão. Todas as eras e civilizações conviveram sem problemas com mitos, lendas, histórias e ‘causos folclóricos’; pode-se dizer que nossa era é uma exceção a esta regra implícita. Isto, sem dúvida, abala o emocional do ser humano, pois um elemento fundamental de sua psique está sendo extirpado gradualmente, com a ajuda do entorpecimento provocado pelo consumismo desenfreado.

    Porém, nenhuma conquista tecnológica substitui o encanto mítico, a presença de uma esfera que transcende a realidade e ajuda o Homem a trabalhar suas emoções e, principalmente, suas perdas. Vivemos em uma sociedade que tenta, a todo custo, eliminar até mesmo a presença da morte, inevitável na jornada humana, e passa a acreditar que é indestrutível, eterna e imortal, ignorando inclusive a própria História - testemunha de impérios e civilizações que desmoronaram e jazem sepultadas há milênios, vítimas da passagem implacável do tempo.

    Mas o ser humano necessita de uma dose de fantasia na sua existência, como defende, entre outros, o Professor Antonio Cândido. Daí o inegável sucesso das novelas e tramas cinematográficas, assim como da literatura. Por esta razão, talvez não seja tão assombroso o impacto provocado pela saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer, e de outra série que consta nas listas dos mais vendidos, A Morada da Noite, de P. C. Cast e Kristin Cast, entre outras obras que têm como protagonistas os ancestrais vampiros.

    Embora ela encontre adeptos em todas as faixas etárias e gêneros, é inegável que a maior parte dos leitores é composta por adolescentes. Este público é o que se encontra mais imune à alienação desencadeada pelos mecanismos que regem a era pós-moderna e, portanto, o mais acessível às questões existenciais, tão bem trabalhadas por estas autoras em seus livros.

    Temas como a vida humana, o seu valor, a eternidade, a existência em um outro plano, e a morte, vista principalmente como um fator de transformação, não de finitude, são discutidos amplamente nestas obras. É curioso perceber que nem mesmo o vampiro é visto como um ser indestrutível e imortal nesta literatura; apesar de, em famílias adeptas de um vampirismo mais ‘clean’, ou seja, vegetariano, como na série Crepúsculo, eles viverem até mesmo por centenas de anos, esta entidade sobrenatural jamais é descrita como um ser destinado à eternidade.

    Se até mesmo um vampiro, como Edward, de Crepúsculo, se preocupa com o destino de sua alma, acreditando que está condenado por ter se transformado nesta criatura, o que há de errado com o ser humano, que, em muitos casos, nem mesmo acredita que em seu interior habita uma essência semelhante a esta? È uma das questões que o adolescente pode, mesmo inconscientemente, despertar em sua mente.

    E quanto à morte, tão presente nestes livros, principalmente em A Breve Segunda Vida de Bree Tanner, de Meyer, e nos volumes que compõem a Morada da Noite? Nesta série esta imagem é onipresente, pois nem todos os novatos marcados pela deusa Nyx para serem futuros vampiros passarão realmente pela transformação. Alguns deles não conseguem atravessar este limiar; mas, curioso, há vários tipos de morte, e nem todos os aspirantes a vamps morrem de verdade, e sim passam a viver em uma espécie de limbo, ou de semivida.

    Na saga Morada da Noite os vampiros, ou seja, os que concretizaram a passagem, também não são definidos como seres imortais; alguns podem viver centenas de anos, outros encontram o fim da existência de forma precoce e violenta. Aqui, mais do que nos outros livros, é frisada a importância do livre-arbítrio concedido a cada ser, a escolha que pode determinar a luz ou as sombras, a redenção ou a destruição.

    Em Academia de Vampiros a trama parte da experiência de perda de uma das personagens principais, Lissa Dragomir, uma vampira que viu sua família morrer em um acidente no qual apenas ela e sua melhor amiga, Rose Hathaway, sobreviveram. Sua estrutura emocional fica definitivamente marcada pela partida de seus pais e do irmão que ela idolatrava.

    Mas é na saga Mundo das Sombras que a morte, pelo menos no primeiro livro, O Vampiro Secreto, está ainda mais presente. Ela é praticamente a protagonista da história, pois é abordada de forma profunda pela autora, L. J. Smith. Esse momento único da existência humana é enfocado com delicadeza e sabedoria; é esta passagem para o desconhecido que leva Poppy a se transformar em uma vampira.

    Questões como estas, e outras tantas presentes na literatura de vampiros, preenchem, pelo menos parcialmente, a carência do ser humano, que desconhece, hoje, o significado da vida e da morte, as implicações das decisões adotadas por cada um, os valores morais, a importância dos mitos e do sobrenatural na compreensão da própria trajetória humana.

    É preciso, porém, um trabalho mais profundo em torno destes temas, por meio de educadores e outros pensadores, em um esforço interdisciplinar e inter-religioso, no sentido de orientar os leitores destes livros na compreensão do potencial oculto nas suas entrelinhas, com o objetivo de resgatar o encantamento de outras eras e a própria imagem da morte, em sua antiga face de fenômeno natural. Talvez, assim, o Homem consiga eliminar um mal maior, a violência, comum, principalmente, entre esses mesmos adolescentes.

    quarta-feira, 6 de abril de 2011

    Lançamento: "Jogo de Poder" (Valerie Plame Wilson)

    Oi pessoal! Aqui está um superlançamento da Editora Cultrix/Seoman: Jogos de Poder. Em breve estarei postando a resenha por aqui. Por enquanto, segue a sinopse.



    Recentemente estreou no Brasil o filme Jogo de Poder, protagonizado por Naomi Watts e Sean Penn, baseado no livro desenvolvido por Valerie Plame Wilson, ex-agente da CIA. Alguns leitores devem se lembrar, ao menos vagamente, do escândalo que envolveu a invasão ao Iraque, comandada pelo presidente George Bush, a pretexto de impedir a aquisição massiva de armas nucleares pelo Estado iraquiano.
    Nesta época Valerie era uma prestigiada e competente agente do serviço secreto norte-americano; seu currículo era irretocável após 18 anos de trabalho junto à CIA; ela atuava como espiã na esfera da inteligência, quando descobriu que o país invadido era inocente da acusação forjada pelo governo dos Estados Unidos. Ou seja, os iraquianos não estavam propagando armamentos nucleares de grande porte.
    Ao mesmo tempo o diplomata Joseph Wilson, seu marido, viaja para o continente Africano a serviço de seu país e ratifica a teoria de sua esposa, publicando um artigo sobre suas descobertas no jornal New York Times. Esta iniciativa desencadeia uma série de traições e maquinações políticas.
    Em meio a este jogo poderoso, a identidade supersecreta de Valerie é revelada na mídia, o que compromete seu relacionamento conjugal, seu escudo protetor, a segurança de seus familiares e a de suas fontes em outros países. Logo em seguida a agente é dispensada de seus serviços e, indignada com a situação, decide compor uma obra na qual ela possa denunciar a realidade dos fatos.
    Mas, como qualquer agente que trabalhou na CIA, ela tem que entregar os originais ao departamento de censura. Após uma luta judicial que se estendeu por vários anos, Valerie triunfou parcialmente e publicou seu livro, o qual traz em suas páginas várias tarjas pretas que denunciam os cortes impostos pela CIA. Este artifício permite ao leitor ter pelo menos indícios de eventos, datas e lugares que tanto a agência secreta quanto a Casa Branca preferem ocultar.
    No posfácio elaborado pela jornalista Laura Rozen é possível encontrar dados fundamentados em entrevistas e em contatos públicos; desta forma torna-se mais acessível o contexto histórico e o leitor pode comprovar o extremo profissionalismo e o caráter da ex-agente secreta. O livro já se tornou um sucesso de vendas nos Estados Unidos.
    Valerie Plame Wilson é ex-agente secreta da CIA e, depois da tempestade que atravessou sua vida, reside hoje em Santa Fé, no Novo México, nos Estados Unidos. Atualmente ela ministra diversas palestras, direcionadas aos mais distintos públicos; apesar de estar desiludida com seu país, ela ainda encontra forças para estimular a juventude a trabalhar junto ao governo norte-americano, para que, assim, possam modificar os caminhos impostos pelas autoridades constituídas.
     Vale a leitura, não acham?

    Autora: Valerie Plame Wilson
    ISBN: 978-85-98903-25-5
    Assunto: Biografia
    440 Páginas;
    Preço: em definição
    Capa: brochura;
    Formato: 16,0 cm x 23,0 cm              
    Editora Seoman, 2011