terça-feira, 12 de abril de 2011

Resenha - "O Evangelho de Coco Chanel" (Karen Karbo)


O Evangelho de Coco Chanel é uma obra divertida, leve, bem-humorada e saborosa. A autora faz um resgate da trajetória e da filosofia existencial de Gabrielle Chanel, a estilista que revolucionou a história da moda, e a entretece com sua própria visão de mundo.
Coco Chanel é fruto de uma infância miserável, de perdas precoces, como a da mãe - vítima dos inúmeros partos, da fome e de uma vida sem perspectivas -, e do abandono paterno. A criadora do pretinho básico nasceu em 1883, num asilo para desabrigados em Saumur; este é o primeiro sinal das dificuldades iniciais da sua vida, as quais determinarão, sem dúvida, suas escolhas futuras e a personalidade determinada, dura e, às vezes, cruel.
Mesmo entre as órfãs, Gabrielle e suas irmãs eram párias. A maioria das meninas de Aubazine tinha uma família grande que podia pagar alguma coisa às freiras. As irmãs Chanel estavam entre as indigentes que não tinham família, ou cuja família era pobre demais para contribuir com alguma coisa, aquelas que comiam mingau aguado em mesa separada e dormiam em quartos sem aquecimento. Coco e suas irmãs eram a escória das meninas pobres.
Esta não é exatamente uma biografia de Chanel, mas uma exposição de facetas da estilista, enfocadas em doze capítulos autônomos, dos quais a autora extrai lições de vida – não se leia aqui autoajuda, pois não é exatamente essa a intenção de Karen – muitas vezes aplicadas, antes de tudo, a sua própria experiência cotidiana.
Algumas dessas pérolas são, com certeza, deliciosas, como a ideia de qualquer mulher pode ser duquesa, mas só há uma Chanel, com a qual a escritora justifica a recusa da estilista em se tornar simplesmente esposa. Sim, porque naquela época era impossível para alguém do gênero feminino conciliar o casamento e uma carreira profissional.
O primeiro tópico sobre Chanel discorre sobre o estilo; aqui Karen tenta definir o que é ser Chanel; a inventora da moda moderna libertou a mulher dos espartilhos, das armações de cabelos exigidas pelos chapéus da época, enfim, de tudo que a impedia de se sentir livre no seu dia-a-dia. Ela aliou elegância, conforto e simplicidade, adaptando figurinos masculinos ao corpo feminino.
O segundo tema se refere a um traço de caráter fundamental de Chanel, a autoinvenção. A estilista tinha uma inclinação nata à promoção pessoal; ela se envolvia em uma aura de mistério e era simplesmente impossível saber qual a verdade sobre seu passado; aliás, a estilista eliminou esse estágio de sua existência, reelaborou a história de sua infância, matou a Gabrielle real e criou uma nova Coco.
O primeiro ato consciente de rebelião de Chanel foi mentir. Ela mentia ou embelezava bastante as coisas na sua infância, rearranjando acontecimentos, inventando fatos e personagens, fazendo desaparecer os irmãos. Não tinha nenhum respeito por nada que não fosse criação dela e isso incluía a sua própria história. Tornou-se perita em espalhar informações erradas sobre a sua origem e sua família, e durante muito tempo ela conseguiu enganar o mundo inteiro.
Essa atitude foi vantajosa enquanto ela podia concentrar suas energias no tempo presente e nas oportunidades que pairavam a sua volta, construindo sua carreira a partir desta base temporal; mas foi negativa em sua velhice, quando o futuro já não existia e o presente tornava-se cada vez mais reduzido. Neste momento o passado teria sido um conforto para ela, se não tivesse sido sumariamente mutilado pela jovem Chanel.
Mas o problema é que à medida que se vai envelhecendo o passado começa a se acumular como a roupa no cesto de roupa suja de uma república de estudantes. O futuro encolhe, o passado aumenta e recusar-se a ter uma relação com ele é cortar nacos cada vez maiores de quem nós éramos e do que significou a vida.
Sua coragem e determinação estão presentes no quarto capítulo; estas virtudes nascem de alguém que conheceu logo cedo a dor e o sofrimento e, portanto, não tem nada a perder. Ela simplesmente se jogava nos empreendimentos que idealizava e se aproveitava de todos os recursos disponíveis no aqui e agora, com os quais ela teceu seu destino. É assim que Chanel conheceu o sucesso, com a máxima ousadia, o destemor diante de qualquer desafio.
Aliás, ela desconheceu os obstáculos, e passou por cima deles como um trator irritado, implacável, cínico e destemperado, fossem estes tropeços do caminho objetos, eventos ou pessoas. Desta forma, ela não se importou de colecionar rivais, e soube exatamente como ignorá-los, destituindo-os de qualquer importância.

Chanel nunca perdeu tempo com nada, dedicando seu precioso tesouro temporal ao trabalho e ao amor, com destaque para a produção incessante de suas coleções. Ela ia sempre direto ao ponto, não se dedicando jamais a fazer algo somente porque as outras pessoas o fazem. Coco sabia muito bem como ocupar cada momento da sua vida.
Talvez felizmente para Chanel a infância terrível, desesperada, tenha servido apenas para nutrir a sua inclinação para saltar antes de olhar, imaginando depois, durante a queda, que uso ela poderia dar às nuvens. (...) Se ela tinha uma inclinação para viver na sua própria época, era porque não havia bons tempos para lembrar. Sua ‘madeleine’ proustiana era uma detestável tigela de mingau servida na mesa de um orfanato sem aquecimento. (...) o tempo atual era sempre um tempo melhor de viver do que o passado. Essa atitude também serviu para fazê-la se sentir completamente moderna.
Karen Karbo é fã inveterada de Coco, mas não se pode acusá-la de ser totalmente parcial. Há escolhas de Chanel que nem mesmo ela pode justificar, por mais difícil que seja para a escritora admitir o lado sombrio da criadora do pretinho básico, principalmente quando ela escolhe virar as costas aos seus conterrâneos, durante a Segunda Guerra Mundial, fechando-se para o mundo e escolhendo ficar ao lado de seu amante nazista.
Será que alguma vez ocorreu a ela que se cientistas respeitados estavam sendo presos pelo chefe do seu amante, talvez fosse hora de admitir que ela havia agido descuidadamente e que era preciso se livrar dele? Estar com um nazista era melhor do que estar sozinha?
Muitos não a perdoam até hoje por esta atitude inexplicável e egoísta. Mas não se deve esquecer que boa parte das mulheres da alta sociedade francesa também abriu as portas de suas casas para festas regadas a oficiais alemães a serviço de Hitler. Coco só não sofreu o mesmo destino infeliz de suas companheiras, ao final da Grande Guerra, por intervenção de seu grande amigo Churchill.
Reflexões sobre Chanel estão entremeadas a meditações saborosas da própria autora; há passagens realmente brilhantes, e uma delas, incluída no tópico sobre o tempo, discorre sobre a nova raça de supermães “sexys, hiperférteis e confiantes”, quando Karen está tentando imaginar como seria a vida afetiva de Coco se ela tivesse nascido em 1963. Este livro com certeza merece ser lido e relido; deve estar sempre na mesinha de cabeceira de toda mulher – e, porque não, dos homens que desejam conhecer melhor o gênero feminino.
Uma nova raça de supermães sexys, hiperférteis, tranquilamente confiantes e ultra bem sucedidas que nos fazem sentir – a nós que temos um ou dois filhos e um emprego – pesos-leves multitarefa que vivem se queixando. Essa mulher é elegante, impulsiva, teve com um homem a quantidade de filhos suficiente para formar o seu próprio time de basquete, tem um marido sexy, bem-humorado, e uma casa bagunçada, feliz, caótica, povoada por uma ou duas babás, uma empregada e um cachorro excêntrico (...). Ela sempre tem uma aparência fabulosa, embora com os cabelos ligeiramente desalinhados, o que só aumenta o seu charme.
Karen Karbo é uma escritora norte-americana, nascida em Detroit, nos Estados Unidos. Ela já publicou três romances - Trespassers Welcome Here, The Diamond Lane, e Motherhood Made a Man Out of Me -, todos considerados excelentes pelo New York Times, e quatro livros de não ficção, entre os quais se destacam How to Hepburn e Stuff of Life.
Chesley McLaren é ilustradora de inúmeras obras e sua produção visual pode ser encontrada em diversas revistas como Town & Country, Vogue, InStyle e Elle. Seu traço, também impresso em seu trabalho como estilista, é considerado tão elegante quanto o das francesas.


Autora: KARBO, KAREN
Ilustrações: MCLAREN, CHESLEY
ISBN: 9788598903149
Assunto: BIOGRAFIA/MODA
216 Páginas;
Preço: R$ 29,90
Capa: BROCHURA
Editora: Seoman, 2010

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