Embora os críticos norte-americanos e os brasileiros tenham, com raras exceções, tecido críticas negativas a esta obra, minha impressão sobre o filme foi bem positiva. Desde o início a atmosfera de paranoia e medo está no ar, prenunciando a eclosão de intolerância e ódio, sentimentos que se instauram a partir do momento em que um caçador de lobisomens declara que o lobo assassino se oculta entre os próprios habitantes do pequeno vilarejo.
O clima de medo e de desconfiança presente na comunidade ecoa o ambiente sufocante do filme A Vila, de M. Night Shyamalan, e o ambiente opressivo do livro Dezesseis Luas, de Kami Garcia e Margaret Stohl. As pessoas moram em casas acima do solo, acessíveis apenas por escadas que, à noite, são recolhidas e escondidas no interior das residências.
A história tem início com Valerie ainda pequena; desde este momento percebe-se que ela é diferente dos demais, pois não se comporta como suas amigas, embora se esforce para ser como os outros. Um espírito de rebeldia domina sua alma, e neste traço de personalidade ela se sintoniza com Peter (Shiloh Fernandez), outra criatura indomável. Os dois elegem a floresta como seu refúgio, onde caçam e matam coelhos.
Apesar de ser um lugarejo pequeno e todos se conhecerem, os vizinhos são discretos e têm sempre disponível um olhar de suspeita reservado ao outro. Há anos eles são ameaçados pelo Lobo, mas um pacto com a fera garante há algum tempo a necessária tranquilidade. A cada noite de lua cheia uma família sacrifica um animal à besta em troca de imunidade aos seus ataques.
Depois de um longo período de trégua, porém, o Lobo volta a fazer uma vítima entre os habitantes do vilarejo, Lucy, a irmã de Valerie, protagonista do enredo, vivida pela atriz Amanda Seyfried. A partir de então a população se enfurece e um grupo se reúne para caçar a fera. Quando os homens se dividem no reduto do animal, ele ataca e é aparentemente morto por um dos homens, não sem antes provocar uma nova morte, a do pai de Henry (Max Irons), jovem prometido a Valerie por uma aliança entre suas famílias.
Todos festejam a morte do Lobo, mas assim que um caçador de lobisomens, interpretado por Gary Oldman, chega ao vilarejo para matar a besta, uma revelação aterradora muda os rumos da história: não se trata de um simples lobo, e sim de um homem-lobo, o qual certamente está presente entre eles.
O matador de lobisomens, um violento e estranho padre, viúvo e pai de duas filhas, acende as chamas da fogueira da intolerância e estimula cada vez mais o ódio e a desconfiança crescentes entre os habitantes do vilarejo. Ele joga sem compaixão um contra o outro e cerca a pequena comunidade, não permitindo que ninguém parta até que se ache o lobisomem. Tomado pela cólera e por uma ilimitada sede de sangue, ele está disposto até mesmo a matar, se for preciso, para conquistar seu troféu.
Enquanto isso, segredos há muito guardados vêm à tona, antigos ressentimentos afloram, e cresce o número de suspeitos: a estranha avó de Valerie, o ferreiro Henry, seu amado Peter, Claude, irmão de uma das amigas da protagonista, o padre local, entre outros.
Todos se olham com medo, raiva e apreensão; as pessoas buscam implacavelmente um bode expiatório, e qualquer um pode ser acusado da prática de magia negra, forte indício para se encontrar um lobisomem. Os diferentes certamente não serão perdoados, o que deixa Valerie e Peter em uma posição delicada e arriscada.
Este longa dirigido por Catherine Hardwicke, a diretora de Crepúsculo e Aos Treze, a partir de uma ideia do ator Leonardo Di Caprio, desenvolvida pelo roteirista David Leslie Johnson, deu início a uma experiência incomum. Quem está habituado a ver obras da literatura convertidas à estética cinematográfica, vai se deparar aqui com o caminho oposto.
Decidida a aprofundar a história nas páginas de um livro, a cineasta propôs a sua amiga Sarah Cartwrigth que transformasse o enredo em um thriller literário. O resultado é surpreendente e o final ainda mais, pois o desfecho da história só será visto na versão do cinema.
Quem analisar o filme apenas a partir do enredo superficial, realmente terá razões para desfiar críticas negativas, pois nele estão presentes o tradicional triângulo amoroso, o amor proibido, as interferências familiares que tudo fazem para separar dois amantes, entre outros elementos clichês.
Mas esta versão da tradicional história da Chapeuzinho Vermelho vai além da trama aparente, compondo uma alegoria do mundo contemporâneo e de suas paranoias típicas, as quais giram basicamente em torno das ameaças engendradas pelo próprio modo de vida pós-moderno.
A direção de arte gera uma estética que ora privilegia a alegria artificial das comemorações, ora destaca o clima de medo e de hostilidade que tomam conta da alma de cada habitante da comunidade. As cores são intensas, contrapondo as tonalidades neutras do figurino feminino aos tons escuros que distinguem o universo masculino, e criando um diferencial em Valerie com sua capa vermelha, símbolo da paixão e das supostas bruxas condenadas à fogueira pela Inquisição, e no Caçador de Lobisomens com suas vestes sacerdotais púrpuras, que intimidam e ameaçam a todos.
A trilha sonora é simplesmente divina; ela é basicamente composta por composições de Brian Reitzell, autor, entre outras, das trilhas dos filmes Encontros e Desencontros e Mais Estranho que a Ficção, em parceria com Alex Heffes, responsável pelas canções de longas como O Último Rei da Escócia e Intrigas de Estado. Mas também há a presença especial de Fever Ray, pseudônimo da artista sueca de música eletrônica Karin Elisabeth Dreijer Andersson, de Anthony Gonzalez, do grupo eletrônico M83, e da banda inglesa The Big Pink.
Vale realmente dar uma chance a esta produção, e não só o público adolescente, mas todo cinéfilo; basta apenas despir a capa do preconceito e se preparar para mergulhar além das camadas superficiais da trama.
Título Original: Red Riding Hood
Direção: Catherine Hardwicke
Lançamento: EUA/Inglaterra, 2011
Elenco: Amanda Seyfried, Michael Hogan, Shiloh Fernandez, Max Irons, Gary Oldman.
Nenhum comentário:
Postar um comentário