segunda-feira, 1 de agosto de 2011

"Jogo de Poder" (Valerie Plame Wilson)

Oi, gente, como eu tinha prometido, estou agora postando finalmente a resenha do livro Jogo de Poder. Apesar de não ser uma leitura fácil, afinal não é uma ficção, nem foi escrito neste estilo, é uma obra indispensável para se compreender um pouco melhor o mundo em que vivemos e todos os acontecimentos que estão em jogo nos nossos dias. Vale fazer um esforço, e tenho certeza que o leitor vai ficar tão indignado quanto eu com os fatos que deram origem a esta história!



Neste livro a autora faz um retrato cru e realista da administração Bush e revela o grau de distorção, por parte da Casa Branca, das informações coletadas e analisadas pela CIA, de modo a justificar o início da Guerra do Iraque no dia 20 de março de 2003. Valerie Plame era então uma agente desta unidade de inteligência, tinha profunda fé em seu trabalho e alimentava uma lealdade inquestionável ao seu país.
Valerie é filha de um ex-oficial da Força Aérea e seu irmão serviu os Estados Unidos na Guerra do Vietnã, na qual foi quase morto e chegou a perder o braço direito, posteriormente restaurado após inúmeras cirurgias. Na época a família refletiu profundamente sobre a legimitidade deste confronto bélico, o qual se desenrolava sem a autorização oficial do governo norte-americano.
Meu irmão, Robert Plame, 16 anos mais velho do que eu, alistou-se no Corpo de Fuzileiros Navais em 1966 e, imediatamente, foi enviado para o Vietnã. Um dia, em 1967, quando meus pais e eu voltamos das compras para casa, os vizinhos nos disseram que dois Fuzileiros fardados tinham batido à nossa porta. Descobrimos que Bob tinha desaparecido em ação. (...) Suportou anos de operações múltiplas e dolorosas para restaurar pelo menos um pouco do sentido do tato no seu braço. (...)
Mas a experiência contribuiu para uma mudança silenciosa nos pais de Valerie, especialmente seu pai, Samuel Plame, coronel aposentado da Força Aérea e comandante de esquadrão. (...) “meu marido ficou desiludido por causa do Vietnã”, (Diane Plame) inclusive devido ao fato de os Estados Unidos estarem lutando lá sem que o presidente tivesse efetivamente declarado guerra.
A protagonista e narradora desta obra autobiográfica provém de uma linhagem familiar tradicionalmente ligada ao serviço público, e após se graduar na Universidade Estadual da Pensilvânia, ela consegue ingressar nas fileiras da CIA, em uma época na qual seus dirigentes procuravam democratizar o acesso a esta comunidade, à procura não de membros da elite dos Estados Unidos, mas sim de jovens brilhantes que fossem selecionados por seu próprio mérito.
Era a década de 80 e o país estava sob a liderança do Presidente Ronald Reagan, enquanto a CIA era dirigida pelo polêmico William Casey, anticomunista radical em plena Guerra Fria. Apesar de sua ideologia questionável, até hoje muitos o veem como o melhor gestor da comunidade de inteligência.
Valerie era conhecida entre os colegas como Val P. e antes de se tornar uma das melhores agentes da instituição ela passou por um rígido treinamento, primeiro na esfera teórica, depois na prática, que na época transcorria em uma localidade rural denominada Fazenda. Sua primeira missão na DO, Divisão de Operações, para a qual raras mulheres eram destinadas, se deu em Atenas, em um período conturbado e marcado por ataques do grupo terrorista N17 ou 17 de Novembro.
Em alguns casos, como nos dos terroristas, os funcionários do Bloco Oriental (durante a Guerra Fria), (...) indivíduos associados à proliferação de armas de destruição em massa, não havia dúvidas de que convencê-los a fornecer aos Estados Unidos informações privilegiadas era da mais alta importância para nossa segurança nacional.
Após concluir seu trabalho na Grécia ela é chamada de volta pela CIA e estabelecida em sua sede na capital, Washington. É então que Valerie decide se tornar uma NOC, ou seja, uma agente secreta sem imunidade diplomática. Esta modalidade de espionagem exige um desligamento total das funções estatais, uma formação no campo político e a cuidadosa criação de uma fachada empresarial – no caso de Valerie, uma consultoria na área energética.
Depois de passar por todas estas etapas, que inclui dois mestrados, um na Faculdade de Economia e Ciência Política de Londres e outro no Colégio da Europa, em Bruges, na Bélgica, Valerie inicia sua nova carreira de espiã neste país, até ser repentinamente levada de volta para os Estados Unidos em 1997. É quando ela conhece seu futuro marido, o embaixador Joe Wilson.
Joseph C. Wilson IV era ex-embaixador dos Estados Unidos no Gabão, e, agindo como embaixador americano no Iraque, foi o último diplomata americano a se encontrar com Saddam Hussein. (...) Wilson lembra-se da noite em que ele conheceu Plame, na recepção, como uma ocasião encantadora a ponto de ser surreal. (...).
Eu estava de pé de um lado do salão, e literalmente terminando de contornar a sala, cumprimentando as pessoas... quando, olhando para o outro lado, vi aquela loura belíssima... e literalmente, na mesma hora, parei de ouvir o barulho das 300 pessoas falando em torno de mim. Só conseguia ver aquele sorriso imenso; ela atravessou o salão flutuando. (...) a essa altura ele já havia literalmente se apaixonado por ela.
Joe é especialista em países africanos e do Oriente Médio, por seu trabalho exaustivo nestas regiões, principalmente no Gabão e no Iraque. Após o casamento ele se muda para Washington e passa a atuar como consultor do Presidente Clinton em assuntos africanos no Conselho de Segurança Nacional.
Na primeira gestão de Bush o trabalho de Valerie concentra-se contraproliferação de armas de destruição em massa, pois neste período ela integra ainda como agente secreta a CPD, divisão responsável pela investigação dos países considerados fora da lei, os quais se esforçam para deter a tecnologia e o material necessários para a produção de armas nucleares, biológicas e químicas.
No entanto, aquele grupo reduzido e inexperiente tinha a incumbência de acompanhar (censura) pesquisas e compras para armamentos de destruição em massa (ADMs) e desenvolver operações do zero que poderiam abrir uma janela desesperadamente necessária para observação dos programas suspeitos de visarem à produção de ADMs. (...) A tarefa que tínhamos pela frente era monumental, mas o grupo era pequeno, destreinado e anêmico.
Em breve pediram-me para assumir o cargo de Chefe de Operações (censura). O fato de a gerência da CPD ter escolhido uma mãe que trabalhava meio expediente para desempenhar um papel de liderança tão crítico me surpreendeu e me deixou emocionada. Afinal, talvez os dinossauros estivessem mesmo morrendo.
Neste contexto surge um misterioso relatório do serviço de inteligência militar italiano afirmando que o governo iraquiano havia adquirido cinco toneladas de óxido de urânio de um pequeno país africano, o Níger. Apesar das desconfianças da CIA com relação a sua veracidade, ele atrai a atenção do gabinete do vice-presidente, pois Bush anseia por uma evidência que justifique a invasão do Iraque.
Valerie Plame e Joe Wilson
Joe, por sua proximidade com a minúscula nação africana e por já ter contribuído em 1999 com a CIA, passando justamente por esta região para uma investigação semelhante, aceitou fazer novas pesquisas neste país em 2002. Seus relatórios, porém, deixaram claro que não havia nenhum indício de compra de urânio por parte de Sadam no Níger.
Pelo jeito, esse alguém havia informado que estavam intrigados com um relatório de inteligência que o governo italiano (censura) tinha passado para o governo americano (censura). No relatório constava que, em 1999, o Iraque tinha procurado comprar óxido de urânio, (...) a matéria-prima usada para o processo de enriquecimento de urânio, do país subdesenvolvido do Oeste Africano, Níger. (...)
Ambos concluíram que era falsa a alegação de que teria havido venda de óxido de urânio ao Iraque. O relatório de Joe apenas corroborou e reforçou algo que já era do conhecimento de todos.
Na mesma ocasião, conforme se intensificam os esforços de guerra, Valerie percebe a gradual politização do serviço de inteligência, o qual passa a ser pressionado pela Casa Branca para oferecer informações, mesmo distorcidas, que lhe permitam finalmente dar início a um confronto bélico.
É neste contexto que o Presidente inclui em seu discurso sobre o Estado da União, no dia 28 de janeiro de 2003, as dezesseis palavras que justificarão, diante do povo norte-americano, a entrada dos EUA no Iraque. Contrariando as investigações de Joe Wilson, Bush afirma que o Iraque comprou urânio do Níger, o que convence a todos da existência real de armas de destruição em massa neste país, as quais, aliás, nunca foram encontradas.
No dia 28 de janeiro de 2003, o presidente fez seu discurso sobre o Estado da União. (...) O Estado da União é talvez o mais importante discurso que o presidente faz anualmente, ainda mais quando uma possível guerra é iminente. (...) De repente, ele já estava dizendo que “o governo britânico descobriu que Saddam Hussein recentemente adquiriu quantidades significativas de urânio na África”. O quê? Será que eu tinha ouvido bem? O relatório do Joe (...) não tinha provado que isso não era verdade?
Quando Joe decide contar a verdade em um artigo publicado em veículo de grande circulação, a Casa Branca passa a desacreditá-lo diante da mídia e da população, revelando a identidade de Valerie Plame, o que até então era considerado um crime, para alegar que ele teria ido à África apenas porque sua esposa trabalha na CIA; assim, ele conquistou a mordomia de viajar ao Níger com tudo pago. Uma ironia – afinal, quem escolheria justamente esta região da África para fazer turismo?
Valerie narra com paixão e convicção o calvário pelo qual ela e sua família passam a partir deste momento. Sua revolta, a decepção com o país e a própria comunidade à qual serviu por tanto tempo, o medo de uma retaliação contra os familiares, especialmente seus gêmeos, hoje com sete anos, se aliam a sua coragem e determinação, a sua sede de justiça e à crença que ela ainda alimenta em sua terra natal e nas suas instituições.
No nosso quarto, os primeiros sinais de luz matinal começavam a se manifestar, no dia 14 de julho, quando Joe entrou, marchando, deixou o jornal sobre a cama (...).
Sentei-me na cama, acendi o abajur e abri o Washington Post na página do Op-Ed (...). Robert Novak dizia, na sua coluna, que “Wilson nunca trabalhou para a CIA, mas a esposa dele, Valerie Plame, era agente da CIA, da força-tarefa de armas de destruição em massa”. As palavras estavam estampadas naquela página, preto no branco, mas eu não consegui assimilá-las. Senti-me como se tivesse recebido um soco no estômago, com toda a força. (...) Foi uma experiência surreal.
Seu testemunho indica a clara decadência sofrida pelos Estados Unidos ao longo das duas administrações de Bush, que ecoam ainda hoje no governo do Presidente Barack Obama. Mas nem Valerie nem John perderam a fé no futuro do país, e mais do que nunca eles acreditam no poder das novas gerações para mudar este cenário e recolocar a nação em seus eixos. Este é um dos principais objetivos desta obra.
Apesar de ter sofrido inúmeros cortes por meio da intervenção da CIA, da qual Valerie se desligou em 2006, o livro conserva a compreensão e a coerência narrativa; os poucos lapsos de entendimento são compensados pelo Posfácio, escrito pela jornalista Laura Rozen, que esclarece qualquer dúvida do leitor quanto à sequência dos acontecimentos.
As tarjas em várias páginas do livro Jogo de Poder indicam os trechos que a CIA ordenou que fossem excluídos. Mesmo com esses cortes substanciais, porém, acreditamos que o livro passa toda a força da história da sra. Wilson, embora, infelizmente, sem todos os detalhes. (...) Baseado em entrevistas e fontes públicas, ele (o posfácio), acrescenta ao tema um pano de fundo histórico e relata partes da vida e da carreira da sra. Wilson que ela mesma não pôde incluir no livro.
Além disso, alguns documentos importantes estão presentes no Apêndice, para maiores informações do público. Apesar da leitura não ser fácil, pois não se trata de um romance, ainda assim vale a pena, pois nos dá uma visão mais ampla e clara do mundo em que vivemos.


Hoje Valerie e Joe Wilson residem em Novo México, nos Estados Unidos, ao lado dos filhos. A autora ainda move um processo contra os acusados pela violação de sua identidade secreta e outro contra as censuras impostas pela CIA, que vão além das questões de segurança nacional.

Autora: Valerie Plame Wilson
ISBN: 978-85-98903-25-5
Assunto: Biografia
440 Páginas;
Preço: em definição
Capa: brochura;
Formato: 16,0 cm x 23,0 cm              
Editora Seoman, 2011

Um comentário:

  1. Eu estou com esse livro aqui na minha estante para ser lido. Realmente ele parece super interessante e já tenho em mente que ele não vai ser um livro de leitura fácil.
    Beijão

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