terça-feira, 24 de abril de 2012

"O Evangelho de Marte" (José Angelo Potiens)

Pessoal, aqui está a resenha de um livro muito especial. Ele deve ser lido, relido, analisado, e o leitor deve refletir e meditar sobre seu conteúdo, principalmente nas passagens contidas no Evangelho de Marte, objeto central desta trama. Que a Luz (ou a Força, para os fãs de Guerra nas Estrelas) esteja contigo!



Raras vezes me deparei com um autor brasileiro que tenha mesclado tão bem ingredientes como fantasia, fatos históricos, religiosidade, maquinações secretas internacionais e boas pitadas de romance e erotismo. Tudo sem resvalar nos tradicionais clichês e nos exageros dramáticos. A leitura é leve, muitas vezes engraçada e caminha por trilhas eletrizantes, cativando e prendendo o leitor até a última página.

Além disso, o autor ainda consegue tecer uma crítica bem-humorada ao acirrado mercado editorial, às instituições religiosas e políticas e até mesmo ao materialismo científico, o qual se sustenta sobre seus próprios dogmas, embora critique esta mesma postura nas religiões cristãs.

Tudo tem início com uma mensagem secreta supostamente enviada por extraterrenos, gravada em um cilindro encontrado em uma propriedade rural do Texas no ano de 1840.  Quando o jipe do professor Kenneth Morgan tem um problema mecânico justamente nas proximidades desta fazenda, ele é socorrido por Gregory Homes, seu proprietário. Assim que o texano percebe que está diante de um especialista em linguística, decide lhe emprestar o objeto encontrado por seu ancestral para que os sinais nele impressos sejam decodificados.
Esse texano encontrara um cilindro metálico com gravações na superfície. Os caracteres estavam gravados numa língua desconhecida. Não pertenciam certamente ao nosso alfabeto. (...) Após muitas sessões que se prolongaram madrugadas adentro, os sinais, muito semelhantes aos ideogramas da escrita oriental, foram então traduzidos. Para estranheza de Morgan, o texto indicava ser de caráter religioso. (...) Sua procedência, ao que tudo indicava, era extraterrestre.

O professor pede ajuda a seu colega, Doutor Robert Lowell, mas ele também não consegue compreender o conteúdo da placa metálica. Kenneth então se vale de um decodificador avançado e finalmente traduz o teor do artefato, surpreendendo-se com a mensagem nele gravada. Ele tem em mãos uma revelação de natureza religiosa transmitida por habitantes de outra esfera cósmica.
Ansioso por revelar esta descoberta a toda a Humanidade, ele entra em contato com editoras de todo o Planeta, mas apenas duas empresas brasileiras e uma italiana entram no páreo. A principal delas é a Heavenbooks, de James Earl Jones. Apesar de o proprietário ser um ex-jornalista norte-americano, a empresa é de origem nacional.

Obcecado pela ideia de publicar a mensagem por ele intitulada O Evangelho de Marte, Jones envia seu principal editor, Giba, para Nova Iorque. Nesta cidade o funcionário deve verificar a autenticidade da tradução e fechar negócio com o Professor. Mas tudo se complica quando a maior adversária da Heavenbooks, a Bonjour, entra em cena na disputa. Kenneth, por sua vez, hesita em vender o manuscrito antes de comunicar sua decisão ao verdadeiro proprietário do cilindro, Gregory Homes.

 Enquanto isso, Giancarlo Batistelli, dono da editora italiana Arrivata, vive um dilema moral e ético. Católico convicto, ele fica dividido entre a tentativa de comprar os direitos da obra e suas obrigações religiosas. Assim, decide consultar o Cardeal Ettore Camilo, assessor do papa, o mexicano Lázaro Diaz.



Batistelli então decide ir para Nova Iorque e descobrir o segredo que envolve o manuscrito, pois só assim poderá se decidir ou não por sua publicação, depois de ouvir a opinião do Papa sobre o texto. Por outro lado, Lázaro passa a ser perseguido por estranhos sonhos que o conectam ao misterioso conteúdo do cilindro.

Uma eventual revelação vinda de seres inteligentes existindo fora dos quadrantes terrestres provocaria uma indesejável reflexão. Mesmo o crente mais fervoroso se perguntaria se Deus havia, afinal de contas, criado e povoado esferas de matéria girando em torno de outros sóis. Também a esses seres o Onipotente teria dotado de uma alma imortal como a nossa? (...)

Só podia acreditar que a Terra era um local privilegiado, pois fora aqui que nascera o Filho de Deus. As Sagradas Escrituras diziam com todas as letras que esse Filho era único, o Unigênito do Pai.  (...) O Cristianismo estaria diante da mais profunda crise da sua história. (...)

O Papa contara que vira, em seu sonho, seres de altura enorme, com mais de dois metros. (...) Seus cabelos eram de um loiro avermelhado e seus rostos, de acordo com a visão do papa, apresentavam três olhos, dois furos no lugar do nariz e, como boca, uma abertura horizontal sem lábios.

Como se não bastassem as peças já dispostas no tabuleiro deste jogo arriscado, o departamento de Ufologia da CIA, comandado por David Murray, sob a chefia de Alfred Perkins, também está de olho na placa metálica, pois acredita que sua mensagem pode comprometer a segurança dos Estados Unidos. Quando um inesperado assassinato é supostamente ligado a esta história, a trama ganha maiores dimensões e os jogadores nela envolvidos farão de tudo para descobrir a verdade por trás da mensagem enigmática.

A narrativa é ágil, dinâmica, e reveza os pontos de vista dos personagens bem caracterizados que povoam o enredo. A visão de Gilberto Taylor, mais conhecido como Giba, é o fio condutor da história, por esta razão o autor a apresenta na primeira pessoa. Os demais focos narrativos são expostos na terceira pessoa, ou seja, com certo distanciamento. Esta estratégia é proposital, pois o editor brasileiro é o personagem mais intimamente envolvido em todo o processo desencadeado pela tradução de Kenneth Morgan.
As passagens do suposto Evangelho de Marte são de uma delicadeza e sensibilidade única. O protagonista deste texto é o profeta Kerk, o qual supostamente teria sido enviado por Deus, ou o Todo, como é descrito na mensagem, para outros astros, como Aei, de onde se origina o cilindro. E aí teria disseminado os ensinamentos do Criador. Este Evangelho, mais abrangente e racional, ameaça a visão dogmática da Igreja de que Jesus é o único filho de Deus.

Quando não havia nenhuma partícula de matéria e o espaço era algo inexistente e o tempo ainda não despertara, só o Todo existia. O Todo era consciência e espírito ativos. Então o Todo resolveu semear consciência e espírito pelo vazio do espaço e do tempo. Assim nasceram as partículas de matéria avivadas pela semeadura do Todo. (...)

Um dia nasceu Kerk e ele nasceu com o reflexo do Todo em uma medida de grande tamanho. Por uma grande quantidade de gerações seus órgãos foram sendo programados para isso para que por eles se refletissem de forma mais forte a consciência e o espírito do Todo. (...)

O Todo é luz. A luz já era luz antes do espaço e o tempo despertarem. A luz vivia no Todo. 

- É puro João. Ele não fala que o Verbo já existia desde o começo dos tempos? E que o Verbo era Deus e que Deus é luz?

Questões pessoais, de mercado, de Estado, de moral e ética se chocam nesta disputa pelo monopólio da verdade. O leitor encontra aqui uma trama que desafia a sua compreensão e dificilmente se enquadra em um gênero literário definido. E mais, o autor constrói um texto dentro de outro texto, e a narrativa interna ainda se desdobra em outras versões da mensagem, conforme o decodificador e o método usado pelo tradutor.
A leitura é de tirar o fôlego; prepare-se para embarcar em uma jornada inusitada pelo universo espiritual, cósmico, histórico e religioso. E não deixe de saborear cada passagem do Evangelho de Marte, reproduzido no livro em estilo bíblico, dividido em capítulos e versículos.



Tudo o que existe vem do Todo e sem o Todo nada existiria. (...)

O caminho (já percorrido) nos ensina a ver melhor (um outro ser). (...)

Kerk fala: “Para encontrar a consciência e espírito que são reflexos do Todo não é preciso sair de casa.”

José Angelo Potiens nasceu na cidade de Botucatu, em São Paulo. Atuou como redator publicitário e roteirista, compondo vários trabalhos para HQs, empresas e programas televisivos. Profissional premiado nas esferas do marketing, da TV e do jornalismo, com sua monografia ‘Tabus do Meio Jornal’ como finalista do Prêmio de Mídia Estadão 2003, ele conquistou também vários prêmios como escritor.

Seu nome consta de um dicionário de escritores e em seu currículo constam obras como O Evangelho de Marte, Canalha no Fio da Navalha, Papo de Anjo e Os Dragões do Doutor Pereira.

 

All Print Editora, 2011


Autor: José Angelo Potiens

Origem: Nacional

Edição: 1

317 Páginas

Preço: R$ 30,00

Capa: Brochura

Formato: Médio



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